sexta-feira, 14 de março de 2014

Martelo da Bucha - Parte I


Homenzarra



O ano é 2007 a.c. O terrorismo estava começando...

Foi a era em que reinos se ergueram imponentes sobre Homenzarra, a terra em que a masculinidade era a lei; onde até as mulheres tinham viçoso pêlo no peito, e celebravam entoando hinos da porcaria do flashback. Dentre todos os reinos, apenas três deles considerados os únicos relevantes e foco do universo fictício, porque tríplice era a Bruxa, divindade cosmológica que pregava o vegetarianismo e gravidez masculina em uma terra de machismo... 
Nesse ínterim, os Reinos Que Jamais Serão Mencionados Aqui ficavam prejudicados com sua falta de aparições na trama e juraram que iriam arruinar aqueles três reinos, e quando achassem aquela tal Bruxa iriam decapitá - la e fazer churrasco dela, como qualquer outra bruxa.
Daqueles três reinos, Lir era a terra austera e pedregosa onde os filhos de Lir viviam entre as pedras que nem lagartixas. Um povo dividido em clãs e reis insignificantes governados a partir de castas guerreiras, um povo que evoluiu como nunca antes apesar de só usarem como vestes tangas de couro atochadas. E eles foram os primeiros amigos de suas tanguinhas, e estas eram suas únicas amigas, só elas os entendiam, e surgiu simbiose com elas, que eram evoluídas e tinham as próprias leis e costumes.
Eram todos taciturnos e tinham cara de gente que roubou do faqueiro, haja vista que possuíam uma rivalidade eterna com os cachorros do mato. Lir, o lendário herói fundador daquele povo, venerado como um deus, ofereceu as mãos para fazer carinho na barriga do líder da matilha do primeiro deles, e este por sua vez as devorou num gesto traidor. E nunca haveria paz entre as duas facções novamente.
A vida inóspita em Lir com escassez de tudo e o dever de afastar cachorros selvagens e evitar furries a todo custo fazia os filhos de Lir pensarem que eram guerreiros fodões irredutíveis aos quais bastava somente sua força e capacidade de matar, e que pisariam em qualquer invasor, mas nem conseguiam tocar suas vidas adiante com um monte de cachorros pestilentos mordendo eles, e nada podiam fazer quando os vizinhos felizes e escravistas do sul apareciam e os ganguebangueavam, vindos do calor e sol de Ruusica’ad, um lugar de gente chata e loiras do banheiro.

O terceiro, Mércia, um lugar onde duendes felizes davam risadinhas enquanto tocavam bandolim, no lugar onde o domínio crescia e demônios infestavam, e onde só havia  diabéticos, talvez nem fosse tão relevante num contexto global, mas era a choupana lodosa de onde um protagonista surgiu. Aquele do qual as profecias falaram; aquele que iria liderar exércitos, com o peito aberto para a morte; que arruinaria o leão e, com armas letais em riste, iria se empurrar pelas geleiras em busca de conquista sanguinária...

Mas em Mércia só tinha gente que repugnava todas as formas de violência e barbarismo, só se valiam do uso da sutileza de magia herpética e mapas astrais, e adoravam cinema europeu experimental. O nome dele era Egon, que já tinha nascido com voz de arnaldo antunes e tinha uma carreira solo muito ruim. Ele era filho de Moussaká e Tecanoro, esta que fazia uns cortes nuns sapos e ficava lambendo.

Não eram seus pais biológicos, no entanto. Os pais de Egon vieram dos Reinos Que Jamais Serão Mencionados Aqui, piratas e ladrões fabulosamente ricos que viajaram até as Terras do Norte dos Senhores Teimas, que eram anões gigantes. A mãe dele andou se engraçando com um dos Senhores Teimas, para o aborrecimento do pai dele. Eles tinham vasto conhecimento de magia, e alertavam sobre a Bruxa, a megera que reunia forças da morte e regeneração para ser uma divindade confusa que iria recriar o mundo quantas vezes fosse necessário, até que estivesse do agrado dela; era muito guria de prédio e só se frustrava. Os Teimas procuravam um substituto placebo para ela com sua própria magia, cientes de que uma poderosa espada pendia sobre suas cabeças.

Não que isso importasse muito aos pais de Egon; só se importavam quando era a próxima vez que iam encher a cara e o que iam roubar para financiar os porres.
E saindo de lá, com o pai dele se despedindo rancorosamente dos Senhores Teimas, rumaram ao sul para roubar o Rubi de Laásha, mas morreram na tentativa, pois uma pirâmide humana tacou um monte de mentos neles.

Egon surgiu da união ilegítima com um dos Senhores Teima, Uf, e foi secretamente entregue a seus cuidados quando seus pais sujos foram embora. Ele se considerava um visionário e viu na criança uma oportunidade de derrotar a Bruxa. Por consenso, os Teimas acharam melhor encaminhá - lo para Mércia, pois não gostavam de criança pentelha. Lá Uf conhecia um casal de amigos de correspondência, colegas de quarto e trocadores chulos de casais, Moussaká e Tekkenjoo, Teleton, ele não lembrava o nome dela; Era melhor amigo de correspondência, mas não mandava uma carta de próprio punho fazia uma cara, e agora tinha se esquecido do bendito do nome dela... Quando se encontraram novamente, foi estranho isso. Ele lhes havia confiado Egon porque os conhecia como os mais notórios iniciados na bruxaria e na arte das runas mágicas em Mércia, por mais difundidos que esses conhecimentos por lá.

Somente os novos pais de Egon poderiam iniciá - lo nos caminhos da Bruxa, e fizeram o melhor que puderam para esconder dele o passado "revolucionário" de seus pais anteriores, mas já haviam notado que ele era irreconciliavelmente diferente dos valores daquela casa, o que era evidenciado quando ele dava um beijo de língua em um machado de brinquedo, que nem foram eles que compraram.
Quando viam o guri rezando para Online, deusa do metal e vertentes, antes de dormir, ficavam de coração partido e sabiam que uma hora deveriam contar a verdade. Mas ao invés disso, falavam da destruição das Torres Gêmeas e o massacre da Candelária, para ele dormir com os anjinhos.

Passados os anos, Egon chegou à mocidade, ressentido do fato de que o símbolo de orgulho masculino jovem nas pradarias de Mércia era um bambi. E ele ficou revoltado; deveria haver algum lugar com um símbolo... com qual ele se identificasse mais...

Seu anseio de mudança era imenso.  Ele não aguentava mais aquele papo de “nova era” que reinava em Mércia com 30 anos de atraso; achava que ‘magia’ era coisa de vegetarianos boiolinhas e que não tinham coragem para lutarem até morrerem empunhando uma espada! E tava de saco cheio dos filmes infantis “cult” arrastados e sem diálogo que lhe forçavam a ver! Ele queria Disney!
Mas era um simbolo mais condizente com sua condição masculina que ele buscava.
Ficava choramingando pros pais que um dia... talvez um dia desses ele se tornasse um jornalista criminal de enorme reputação, que nem o Nilson Gonçalves, e era por isso que ele iria pra faculdade de jornalismo.
Seus pais ficavam intrigados do por que ir pra faculdade pra ser que nem ele; se ele tivesse terminado o ensino médio já viria como uma surpresa. Mas discordavam virulentamente da intenção dele, afinal ele deveria se formar em engenharia médica, pra ser doutor! Aquilo pra ele fora a gota d'água e ele foi embora de casa para vencer a vida sozinho.

Ele virou um andarilho do tipo que seus pais encheriam de porrada na rua, e pelas estepes vagou, sob o eterno olhar da Bruxa, com o destino o levando até a miséria inútil de Lir. E lá ele se ferrou, porque o símbolo de jovialidade masculina lá era uma gazelinha.

Como lá só havia guerras fronteiriças contra os escravistas de Ruusica’ad, nas quais o elfo hipster tinha suas detestáveis bolinhas separadas por um golpe de caratê, ele se tornou um soldado da fortuna para juntar uma grana. Ele alugava sua espada feroz a qualquer um que se dispusesse a pagá - lo, jamais jurando lealdade nenhuma enquanto o negócio era selado com copioso derramamento de sangue e decapitações. Normalmente demoravam uma eternidade para devolver a espada, e às vezes, quando finalmente a entregavam, ela estava toda zoada. Sacanagem.

Assim começava a jornada de Egon, aquele que um dia seria jornalista sensacionalista.

Mas enquanto isso, ele havia reunido um coral de bazingueiros velozes para acompanhá - lo enquanto ele cantava com sua voz de dinossauro emasculado. Eles tinham umas camisetas descoladaças, tipo uma caveira com o capacete do Darth Vader, e toda vez que definiam alguma coisa como "épica", uma criancinha na África morria.

Ele gostava de arruinar cadeados de bicicleta, e exibia comportamento petulante e antissocial quando invadia os vestiários femininos não usando roupa nenhuma. E todas aquelas mocinhas faziam um escândalo, exceto uma que lhe disse: "já vi uns bem maiores que esse teu aí..."

Isso fez Egon parar para refletir. Aquela mulher era Elizzot, a que ficava parada na frente da bruta tempestade. Ela era saxofonista de um conjunto de funk carioca, e que odiava música cubana; achava um saco e coisa de cantores sem talento, especialmente porque não tinha saxofone ou créu na velocidade 5.

Foi amor à primeira vista. Eles se amavam sem vontade, e como naquela era os cigarrinhos ainda não foram inventados, ao fim dos "atos" ela tinha que aguentá - lo fazendo perguntas crassas sobre música, do tipo: "você gosta de Br'oz?" - quando era C4bal o que ele tinha em mente.

O casal havia vencido a adversidade e desperdício de água, e desse amor e surgiu Droggit num açougue, e daí em diante pros aniversários dele eles pegavam a decoração de Natal e escreviam "Droggit" nela. E não era por falta de verba, por mais que o pequeno reivindicasse Galinha Pintadinha. E Egon criou vergonha na cara e decidiu finalmente virar o jornalista que ele estava destinado para ser. E assim nasceu o programa Tribuna da Alerta Urgente.

E se instalaram no melhor lugar possível para uma família: O Reino Limítrofe, uma triste e inculta terra pantanosa situada no norte entre Ruusica’ad e Lir, com rompantes de criminalidade, onde as pessoas usavam no mínimo um tapa olho, e tudo era neonazista, até as muitas lan houses que lá existiam, onde qualquer um se frustraria ao tentar entrar no facebook, pois a página seria automaticamente redirecionada pros fóruns do Stormfront, a despeito de qualquer outra tentativa. Era muito estranho que um lugar como aquele pudesse estar situado em Homenzarra, pois os índices de masculinidade lá eram pateticamente baixos.

E sua profissão de repórter sensacionalista o fazia encher as burras de dinheiro. Nenhum outro ofício poderia dar mais certo no Reino Limítrofe, pois havia pelo menos dois assassinatos por dia e o clima de impunidade seletiva reinava supremo; não havia nenhum outro lugar em Homenzarra onde os "princípios da família cristã" estavam mais ameaçados pelo Capeta.
Depois de um longo dia defendendo a morte de vagabundos, ele voltou para a casa, de volta para os braços de Elizzot. A espada com a qual ele havia ganho dinheiro no passado estava em desuso há anos, encostada na parede ao lado do sofa; teias e crostas de ferrugem infestavam a lamina, opaca e sem brilho.
E ele foi ver quantas facadas Droggit tinha levado na escola, isso que ele estudava no colégio particular mais conceituado do Reino Limítrofe. E na calada da noite, Elizzot e Egon colocavam maquiagem bissexual e conspiravam para criar a pior merda de musical da história. Sabe Evita? Então, esse seria pior...

E Droggit, que deveria estar dormindo, estava bem acordado no corredor, mas não sabia se queria um copo d'água ou ir no banheiro mais 8 milhões de vezes. Daí ele viu os dois patéticos e com maquiagem bissexual, e ele preferiu ter ido dormir logo. Aquilo só podia ser coisa da Bruxa.

No dia seguinte, os Reinos Que Jamais Serão Mencionados aqui romperam as fronteiras de Homenzarra, começando por Ruusica’ad, com um monte de tiros de AK-47; as grandes torres e zigurates eram incendiadas com muitos inocentes dentro, e suas inúmeras pessoas chatas pranteavam...

Lá pelo fim da tarde, Egon esperava impacientemente Droggit para buscá - lo na porta da escola. Já eram quase 45 minutos de espera quando Droggit finalmente apareceu. Egon perguntou o por quê da demora, e Droggit disse que a professora era uma ladina vadia. Ele retrucou dizendo que ele não tinha aprendido esse linguajar em casa não!

Mas quando chegaram em casa, tiveram um choque: Elizzot estava no chão, morta, com odiosos ferimentos letais que só poderiam ter sido causados por um peixe pontudo, mas que não era um peixe espada. Eles saíram correndo para levá - la ao hospital, e viram os pacientes sendo muito racistas com os atendentes felizes.
Quando finalmente foram atendidos, um enfermeiro desafeto lhes questionou o que havia ocorrido. "Ela foi... atravessada por um peixe pontudo..." - respondeu Egon, sem folêgo ao finalmente parar um instante.
-"Foi um peixe espada?"
-"Não. Não foi um peixe espada."
-"Foi um dourado?"
-"Não!"
-"Então foi um marlim? Um atum? Uma tainha? Um agulhão? Um bonito? Um pirá? Um..."
-"Chega!" - Egon sentiu orgasmos múltiplos enquanto gritava. E o enfermeiro disse que ele era um grosso.
Infelizmente, com o melhor da habilidade daqueles médicos, nada poderia trazê - la de volta. Egon naquele mesmo instante se sentiu mortificado, como se houvesse envelhecido décadas, e Droggit estava visivelmente muito nervoso, dizendo que: "não havia planejado nada daquilo; não havia pensado em nada disso..." - e saiu correndo para nunca mais voltar.

Egon mal conseguiu apresentar o programa no dia seguinte. Ele se resumia em balbuciar que não entendia isso da música eletrônica; uns efeitos muito bizarros, não parecia que tinha gente cantando, mas repetindo frases várias vezes seguidas; Além disso, ele se desculpava muito, demais até... O pessoal em casa não sabia o que dizer. Já olhavam o programa com suas costumeiras caras de idiota, mas agora...

A polícia ineficiente do Reino Limítrofe era super amiga de Egon, tinham fotos das pernas de todos eles na beira da piscina no instagram e iam ao shopping fazer compras juntos. Eles avisaram que estavam na trilha do assassino de Elizzot; Ele era um patife envolvido com tráfico de drogas, e tinha como nome de guerra Valete de Paus. E a polícia não tinha paciência com pseudônimos pretensiosos pseudointeligentes como nomes de cartas adotados por pessoas que nem sabem jogar Paciência, e logo o encontrariam.

E assim os urgia Egon que retomou o programa com gás renovado, defendendo hidrofobicamente a morte do 'vagabundo', e coisas até como a morte do governante e que ele próprio usurpasse o domínio do Reino Limítrofe. E o governante pediu para ele baixar um pouco o tom do programa e cuidar "com o linguajar. Afinal, tem criança assistindo, e são elas que mais gostavam e aprendiam com o programa".

Egon acompanhava o caso obsessivamente, falava da perseguição do assassino como se aquele caso tratasse da maior afronta à ordem pública imaginável no Reino Limítrofe, enquanto o cerco fechava no "Tamanduá" (O "valete" de antes era um criminoso indeciso que nunca sabia qual pseudônimo 'das ruas' deveria usar). Egon foi chamado para acompanhar a perseguição policial do dia em que o malfeitor foi escorraçado de seu esconderijo. Às 5 da madrugada, Tamanduá desesperadamente fugia em um pequeno barco à vela de casco chato, com Gaiola das Popozudas bombando no aparelho de som, cruzando o rio violento que bordeava paredões de pedra dos quais a polícia seminua com bestas tentava cercá - lo, com o suporte de dois helicópteros muito arcaicos, em um dos quais Egon e Lasanha, seu melhor "camerista" acompanhavam a perseguição com olhar marrento, ao invés de ajudar. E estavam brincando com um cavalo ali dentro também.

A guarda costeira também foi chamada para persegui - lo, com seus barcos bonitões com velas chamativas, cheios de neguinho com ódio no olhar, brandindo as armas de fogo.
Tamanduá pisou fundo no convés, achando que podia perdê - los de vista em breve, mas achou errado! Eles conseguiram abordar seu barco, bateram nele, chutaram as costelas dele e rebocaram o barco dele até a delegacia. Sem algemas, porque é abuso policial.

E o programa dele ficou cheio de purpurina triunfante, pois o bem havia triunfado sobre o mal e aquele câncer na sociedade que era o Tamanduá estava atrás das grades (da delegacia, amarrado a elas com cadeados de bicicleta e um balde para necessidades).
E ele disse que qualquer pena que dessem para ele seria pouca demais, ele merecia MORRÊ! Esses vagabundo, governo não tem que proteger bandido! Tem que matar ele, ele tem que servir de exemplo, o imprestável!

Terminado o programa, seu coração ainda pesava de dúvida e irresolução. Teria Elizzot sido realmente vingada? Sua indignação ainda não havia se desfeito; nada apagava de sua mente a ideia de como alguém poderia ser tão doentio a ponto de matar alguém com um peixe congelado! Pra quê?

É, Egon queria se inteirar das intenções daquele vagabundo. Queria conhecê - lo (com o perdão da palavra, ele diria). Elizzot nunca tinha se envolvido com drogas na vida, até as autópsias comprovaram. E o vagabundo era um maloqueiro nazistinha que cresceu nas periferias de Ferras, a cidade pra qual Egon havia se mudado. Falava incoerentemente por causa do camafeu, uma droga pesada injetável que fazia todos terem desejos incestuosos nojentos, que circulava livremente na cantina das escolas, e os pais que pagavam pelo seu vício eram donos de uma peixaria, uma ocupação ferozmente disputada pelos refugiados de Lir, em sua maioria fugitivos da guerra ou ex - escravos.

Ele havia entrado na casa de Egon para roubá - la, e Elizzot resistiu. Não que Egon precisasse de mais motivos para achá - lo um vagabundo que deveria morrer sofrendo, assim ele vociverava, mas não, os cantores pela paz e especialistas criminais que viram seu caso, disseram que morte e auto-justiça não levariam a nada.

Mas Egon achava que eram um bando de bundas moles e alcoólatras pedantes. Egon saiu de sua visita ao bandido na delegacia, transmitida ao seu programa campeão de audiência, com uma letargia estranha; seu espírito enfraquecendo como no dia seguinte à morte de Elizzot. Achava que todo o sistema nada resolvia se um crime envolvendo um animal aquático não era devidamente punido; achavam que todos os detentos eram a causa de uma doença na sociedade e não iria parar de gritar isso no programa. Essa 'certeza' nunca pareceu pior.

E enquanto ele voltava para casa, ao entardecer, em meio ao matagal onde todos os bichos pareciam copular, a Bruxa apareceu diante dele... Ela tinha a aparência de uma velha encarquilhada sob um capuz, caolha enquanto o grande olho restante observava com avidez. Surgida das trevas do Eterno Vazio, ela era mais velha e mais vegetariana que o próprio tempo, e deu leite de soja para os deuses venerados pelos povos da terra quando eram crianças e iria testemunhar suas falências e mortes, em especial a do Deus do Camarote, que costumava enfiar relâmpagos no reto de seus Reis...

Ela poderia nascer e renascer mil vezes, uma deusa de vida e regeneração que, no entanto, seu ventre seco ultimamente só chocava aberrações como areia de gato. Do veneno à semente, as forças da natureza se curvavam à sua vontade: seu poder parecia não ter qualquer limite, o plano da existência era toda uma criação sua, e que já fora destruído e recriado mais de uma vez...
Ele se lembrava do que seus pais lhe contaram sobre ela... Dela vinha toda aquela misteriosa força sobrenatural da qual vinham as mágicas, feitiços e maldições... os magos mais realizados de Homenzarra se contentavam com uma fração ínfima daquele poder, e precisavam desesperadamente incorrer eternamente no favor e nos caprichos da Bruxa para mantê - la.
Mas para Egon ela parecia bem menos do que tudo que tinha ouvido falar. Ele perguntou, rispidamente, o que ela queria com ele. A Bruxa perguntou o que ela parecia para ele, e ele respondeu: "uma baranga". E ela pareceu muito satisfeita, diante de uma expectativa cumprida, quem sabe. Egon havia sido iniciado por seus pais (naquele dia que eles mentiram e disseram que levá - lo pro cinema) ao ser levado a um casabre com o chão de carvão em brasas e beber aquela horrível poção que fora entregue a seus pais com a criança pelos senhores Teimas, o que fez estes na mesma noite serem mortos por relâmpagos patéticos e travestis invasores em armadura, porque o tempo urgia...
Egon não tinha a menor lembrança consciente daquele dia, mas a poção, confiada pelos mesmos Teimas que a protegeram enciumadamente durante décadas, lhe deixou a marca da Bruxa, e agora ele era um escolhido...
Depois de passar por um ritual de tamanha pederastia, ele tinha contato direto com a Bruxa, ao contrário de muitos dos operadores de magia daquelas paragens exóticas, que choramingavam no banho, engravidando o ralo em busca de um sinal d'Ela. Por ela editariam a Wikipédia para sempre.

Egon jogou a luva novamente. Disse que ela não só parecia uma baranga, como também uma quenga seca que tinha teia e pizza oleosa de calabresa misturadas entre as dobras murchas e mendigava clientes em carnaval de transexuais. "Ah, mestre do insulto" - ela pensou... Ela perguntava o que o tinha deixado tão violento e aflito. Ele não pôde aguentar, apesar de seus melhores esforços, e contou tudo. A morte de Elizzot o deixou devastado, por ter sido tão injusta e não haver vingança que considerasse digna de restaurar seu espírito.

O olhar desconcertante da Bruxa tomou fogo quando ela fez a sugestão diabólica: "faça o que você sempre sugere em seu programa, e mate - o!" - Egon foi pego de surpresa, sem reação. Até aquele momento, ele havia feito várias coisas das quais não se orgulhava, mas matar alguém? Aquilo só ocorrera em momentos de ódio extremo seguintes ao assassinato, mas pensar seriamente em levar tal projeto a cabo?
"Você é um hipócrita, Egon, não fala de mais nada em seu programa, apenas para criticar um governo em que 'tá tudo errado', que é tão emasculado quanto você! Você não tem nada entre as pernas, então?" - a risada estridente da Bruxa que seguiu foi mais do que ele poderia aguentar; a raiva tirou toda a sobriedade que ele tinha antes, e ele voltou pra casa pisando forte. Ele tomou novamente a espada amiga em mãos e saiu de casa novamente, a porta fechando em um estrondo atrás dele.

Se apressou até a delegacia, com apenas um funcionário distraído à vista, e viu o seu alvo encostado de costas para as grades. Ninguém ainda havia se dado conta de Egon ali ou suas intenções. Tamanduá estava de costas olhando a parede da cela, entediado e revolvendo uma palhinha entre os dedos. E a espada o atravessou pelas costas, a dor ele sentiu rápida demais. E Egon torceu o cabo dela, e a lâmina o estraçalhou por dentro enquanto ele chorava e morria.

Demorou uns poucos instantes para todos ali serem tomados de alerta e descobrirem o que aconteceu, inclusive para o próprio Egon, que lentamente voltava a si mesmo.
A polícia e o juiz já não pareciam mais tão amigos quando o jogaram numa cela do posto policial, condenado a "não sei quantos anos" de cadeia na sentença, e perdeu todos os seus pertences e propriedade.
O caso dele foi anunciado na edição seguinte da Tribuna da Alerta Urgente, na qual um colega dele que assumiu o programa disse que "ele nunca havia me enganado. Era um homem sem deus, isso eu tenho certeza! Agora esse bandido, esse vagabundo, vai ter que o merece na cadeia! CADEIA!"

A Egon só restava dormir no chão e lidar com a experiência de homicídio, diferente de qualquer besteira que ele fez na distante infância. Lhe dava tremedeira pensar. A qualquer momento ele começaria a escrever seu primeiro rap do crime.

Dentro da cela, a Bruxa apareceu. Egon sentiu o sangue lhe subindo a cabeça! Normalmente ele não bateria em uma idosa, mas fazia um tempo que nada estava 'normal'. Mas a Bruxa o agarrou pelo pulso, e o toque dela lhe fez sentir uma queimadura lancinante e ceder sob a ameaça de ter o braço quebrado. Aquele braço esquelético era descomunalmente forte, mas era apenas um deles!

Para sua maior humilhação, a Bruxa o arrastou pela orelha através do tempo e espaço, exatamente para fora da delegacia, de onde pediram a Egon para que não saísse, "por favor". Ele estava à beira das lágrimas de desespero quando perguntou o que ela queria dele.
Ela ficou um pouco chateada com essa falta de consideração dele; ela havia apenas o iniciado nas sendas da bruxaria... Ele iria entender agora porque tanto diziam que a Bruxa era tríplice... Poderia ser a donzela em sua torre esperando um príncipe, a mãe que arruma a lancheira com papel alumínio, ou a megera com quem ninguém mais se importa e retribui sacaneando os outros e com mau cheiro. Todas essas encarnações eram consideradas sujas e tinham potencial para a bestialidade. Junte todas essas atribuições num liquidificador, e dele saíra a eterna Bruxa.
E ele não tinha entendido o por que dela ser tríplice. Mas agora não poderia mais perguntar; ela havia desaparecido sem mais nem menos, do jeito que ela apareceu. E os bichinhos da floresta já tinham se cansado de copular, precisavam dar um tempo.

Egon não tinha mais nenhum lugar para onde ir, a vida como ele a conhecia não existia mais; tudo o que ele tinha ele perdeu quando foi preso, e agora devia estar sendo procurado.

Só lhe restava fugir...


CONTINUA

Moral: Se não sabe usar hashtags, não use.


Moral 2: Diga não aos formadores de opinião que sentem nostalgia de coisas da época em que eles nem espermatozóides eram.







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