segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Abinoã - Pessoas Inteligentes

Tudo começou há muito tempo, em uma história em que nada começa, eis que é o conto da vida e dos feitos de Abinoã. Ele era e sempre tinha sido um tigre que vomitava, e que vivia do jeito mais avacalhado possível, muito preguiçoso para pagar as contas e limpar a casa suja de vômito por todos os lados. Mas ele não encarava isso como uma coisa ruim, porque ser preguiçoso era a característica mais marcante das pessoas inteligentes; as pessoas inteligentes também tendem a ficar reclusas em casa para estarem sozinhas com sua própria genialidade, sempre se opondo às hordas de filisteus e ignorantes da rua; elas também têm pouca paciência para coisas, pessoas e situações chatas - não ter inteligência emocional também é um fardo das "pessoas inteligentes" por elas serem tão únicas e brilhantes. Como antes visto, as pessoas inteligentes são desorganizadas, mas isto é uma forma de expressão da inteligência - e elas não podem tirar tempo do cultivo como atividades de ver trailers de filmes no youtube ou vídeos de listas; ainda, as pessoas inteligentes bebem às 10 da manhã e limpam o pau na cortina - vale frisar, pessoas inteligentes preferem fazer autossexo, já que não tem ninguém do calibre intelectual delas.
Era com esse tipo de pessoa que Abinoã se identificava, tendo visto todas as coisas expostas sobre pessoas inteligentes em páginas como Fatos Desconhecidos e ContiOutra. Todo mundo precisa de uma referência moral como essas na vida; é isso ou signos do zodíaco na Terra da Rolagem Infinita, local onde Abinoã passava todas as suas tardes.
Tudo começou, agora não como dispositivo de narrativa mas como as coisas tiveram origem de verdade, quando Abinoã saiu na rua, e um sujeito parou com o carro perto dele, e perguntou: - "você, jovem com 18 anos, estaria interessado em saber 9 coisas inacreditáveis encontradas dentro de múmias ou a verdadeira verdade sobre Jack Estripador?" - a ganância por conhecimento se apoderou de Abinoã, e quando ele entrou a convite do motorista dentro do carro, mal desconfiava o tigre que seu mundo logo viria abaixo. Isso é claro, porque nós jovens somos o foco principal.
Abinoã guardava até então memórias foscas e reprimidas dos eventos subsequentes daquele dia, mas fato é que ele agora podia ter toda a verdade universal através de uma fórmula simples, elegante, de uma frase afirmativa seguida de uma imagem qualquer, porque as pessoas só acreditam no que elas veem, que podia dizer que um castelo aleatório na Europa era do conde Drácula de verdade, ou de ETs, com a legenda dizendo que a NASA finalmente confirmou a existência deles.
Nesse fluxo constante de informações no qual "nem tudo é verdade né, mas tem sim umas coisas verdadeiras né" - de coisas fáceis de digerir, tipo biologia freestyle sobre o ritmo do sono dos adolescentes ser pra acordar tarde, ou, que baixinhas produzem feromônios diferentes, era a melhor coisa para Abinoã conhecer o vasto mundo fora de casa através dessa fonte inesgotável de postagens. Os problemas do Universo não pareciam tão intimidadores pela dúvida com ela, e justo quando ela alcovitava as tendências antissociais de Abinoã nos posts das Pessoas Inteligentes, ele se sentia um iluminado que ia compartilhar aquilo que nem o otário que ele era, e as curtidas iam aumentar em número num ritmo alarmante, que nem células cancerosas.
Como se a Fatos Desconhecidos já não caçasse os likes de Abinoã o bastante, apareceu do nada na barra de rolagem de todo mundo a ContiOutra, que fala tudo que a gente precisa saber sobre pessoas inteligentes, que tem listinhas de hábitos pra se sentir superior aos outros boçais que curtem qualquer coisa, e falar com as plantas caso ainda não se sentisse superior o bastante.
Abinoã foi na deles durante muito tempo, avisando que ele devia ser excêntrico (ou seja lá o que isso é na concepção deles). E ele foi tão contra a maré que ele se juntou ao Estado Islâmico, mas um Estado Islâmico em que todo mundo rega, sem roupas, as plantas com quem conversam. O que não impediu ele de ser bombardeado pelas forças do Ocidente.

Epílogo: Ninguém nunca entendeu por que a página se chama Fatos Desconhecidos - talvez seja porque não tem fonte nenhuma e dá pra inventar na hora.

Moral: Tenha um computador merda que trava se você acessa qualquer coisa que você não precise estritamente no momento.

Sorte do Orkut: o brasileiro médio não é diferente do camponês da Rússia medieval com acesso à internet.

domingo, 8 de maio de 2016

O Papiro Perdido do Egito

Tudo começou há muito tempo, em uma rodoviária. Era véspera de feriado e todo mundo queria descer a serra, ir para o litoral. Todos embarcados e acomodados, o ônibus deu a partida e deixou a rodoviária, passando pelos limites da cidade até ganhar a estrada.

Para alguns aquilo era só uma rotina, outros inventaram de viajar naquele dia mesmo. As cidades vizinhas do lugar de partida já tinham sido deixadas para trás, e agora na BR era vegetação para todos os lados, o autêntico inferno verde, que cobria todo um vale visível a partir de uma curva sinalizada como "perigosa".

De súbito a monotonia, ou o senso de normalidade da situação inteira, foi rompida pela desaceleração do ônibus, que logo parou no acostamento. Vários chiaram e bufaram irritados, já imaginando algum problema técnico que os faria esperar por outro ônibus.

Uma voz tomou conta do ônibus pelos alto-falantes: "Boa tarde, gente, tudo bem? Então, aqui é o motorista de vocês. Vocês podem até achar que estão indo pro litoral e tals, mas é aí que se enganam" - terminadas essas palavras, a incredulidade ia se convertendo em indignação entre os passageiros. O motorista continuou, elevando a voz para competir com os gritos e xingamentos: "estamos aqui na verdade para buscar o Papiro Perdido do Egito. Vai ser uma grande jornada, uma aventura como nenhuma outra. Essa relíquia milenar é a chave para o grande mistério da reprodução humana: parece que os bebês não vêm das cegonhas ou da plantações de batata, como muito se fala..."

Os passageiros da frente tentaram abrir a porta que dava para o motorista, mas descobriram que ele se trancou na cabine, colocando uma barra de metal para emperrar a porta!
Tentaram então freneticamente quebrar o vidro das portas, só para descobrir que era a prova de balas! A companhia de viação não dava nem água de cortesia para os passageiros da linha convencional, mas torravam dinheiro com vidro a prova de balas na cabine do motorista!

O coro de insultos corria de uma ponta a outra do ônibus! Um escarcéu dos horrores, os chiliques que não paravam!

O motorista viu então que, para deixar todos no clima de aventura, ele tinha que tocar a música. Ele assim fez, e ainda freava o ônibus no ritmo, para animar mais. O ônibus assim passou um bom trecho andando a 5km/h, e todos eram sacudidos no seus assentos pelo sacolejo do ônibus como se fossem bonecas de pano. "Mas é um filho da puta mesmo!" - gritou alguém. Ainda que estivessem no ritmo, não ouviam música nenhuma, pois o motorista tinha posto fones de ouvido no rádio.

O ônibus passou a seguir mais regularmente pelo caminho previsto, na sua busca pelo papiro egípcio. Os passageiros estavam bastante rancorosos com essa experiência; a expectativa deles era apenas que chegassem lá onde queriam sem grandes intercorrências, e o pouco que já tinha acontecido seria o bastante para passarem a viagem inteira pensando no quanto iam reclamar para a empresa, que iam entrar com processo, que iriam reclamar de tudo que aconteceu com amigos e família.

Agora só podiam esperar humildemente que a viagem prosseguisse normalmente dali pra frente, mas essa esperança já foi rompida quando o ônibus pegou um retorno. "Puta que o pariu!" - a revolta ganhava novamente os passageiros.
Ao invés de voltar todo o caminho já feito, o que todos meio que esperavam e que só os inflamaria ainda mais, o ônibus estacionou numa dessas vendas de "produtos coloniais". O motorista comunicou a eles que só estava ali para ver o seu "contato secreto" que iria lhe passar todas as informações necessárias para as condições da aventura. Seria interessante se lhe dissesse como ele iria para o Egito de ônibus.

O motorista desceu e foi encontrá-lo dentro da lanchonete, deixando todos os passageiros bem trancados dentro do ônibus, obrigando todos a fazerem fila para usarem o banheiro do ônibus.

Ninguém mais sabia o que dava para esperar daquele motorista desequilibrado. A viagem deveria ter seguido com toda a regularidade do mundo e agora aqueles viajantes de ônibus se encontravam sequestrados de uma realidade mais amigável.

O motorista tomou todo seu tempo e a cabo de uns quarenta minutos voltou ao seu lugar, anunciando a todos com a voz estranhamente arrastada que já dispunha das informações necessárias para encontrar o misterioso Papiro do Egito.

Novamente o paquidérmico veículo seguia sua rota mais ou menos prevista, mas dessa vez erros grosseiros de direção enfraqueciam ainda mais os nervos de todos a bordo. Buzinas protestavam enquanto o ônibus fechava as pistas e não se decidia se ficava na esquerda ou na direita.
Um passageiro cobrou satisfação: "Você bebeu por acaso?!"

"Senhor, o meu contato estava bebendo uma pinga artesanal super boa e sei lá, ia ser meio chato pra ele beber sozinho."
"Meu Deus do céu" - foi a resposta incrédula de alguém que perdia toda a fé que aquela viagem daria minimamente certo como a companhia prometia.
"Eu só queria voltar pra casa" - um estudante chorava baixinho, com os nervos bastante gastos de toda essa experiência.

Ainda assim, o motorista sentia que tinha um dever de manter o moral daqueles que lhe acompanhavam na busca do artefato antigo.
"Gente, vocês já pensaram? Apenas o destino uniu vocês para uma busca maior! É que nem Lost! Aliás, vocês sabem se tem no netflix? Não assisti nunca nenhum episódio, pra falar a verdade"

Alguém num assento da janela se levantou e gritou: "Cara, você podia ter ido buscar esse papiro por conta própria! A gente não tem nada a ver com isso!"

"Mas o que vocês acham que eu ia fazer no trabalho, além de dirigir? Eu ainda tô me descobrindo, eu preciso achar um sentido da minha vida..."

Um careca de camiseta polo azul bebê se levantou e disse: "Você só estava fazendo isso como fuga da sua realidade! Com os deveres que você tem com nós, passageiros, nós consumidores! Dirige essa porcaria que é pra isso que você serve! Saco..."

Depois dessa o motorista não falou mais nada. O ônibus desceu a serra com bastante tranquilidade, e com o motorista quieto, como se estivesse magoado. Alguns dos passageiros não queriam estragar a alegria de alguém, mas sentiram que foi necessário para assegurar a viagem corresse como esperavam.

Faltavam menos que 20 minutos para que o ônibus parasse na primeira parada planejada, e foi então que o motorista viu uma zona de beira de estrada, ao lado de um enorme outdoor que fazia publicidade de uma intragável bebida à base de maracujá.

O ônibus desacelerou e todo mundo protestou novamente: "Ah não velho!" "Qual é?!"

Ao que o motorista retrucou: "gente, o negócio é ir no puteiro, ficar olhando fixamente pras moças e aí voltar pra casa e bater uma bronha! Economiza uma grana assim!"

Todo mundo fez um escândalo equanto o ônibus se preparava para uma parada não-planejada no prostíbulo, mas aí o motorista não viu que tinha uma vala ao lado da estrada e o ônibus capotou.

Moral: Não dá pra reciclar papel higiênico todo cagado.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Abinoã e as hordas de Citric

Tudo começou há muito tempo, quando Abinoã, o tigre que vomitava, estava saindo da farmácia onde foi para comprar Gatorade, que ele bebia que nem água, com o intuito de colorir seu vômito para ficar mais bonito.

Logo que ele estava passando pela porta e pelo detector de segurança que disparou por causa da garrafa de gatorade extra que ele "esqueceu" de pagar no caixa, apareceu um sujeito encapuzado muito estranho perto dele, cambaleando, trilhando o chão de sangue. Do seu rosto pendiam bigodes longos e loiros que Abinoã considerava gays - muito para o desgosto dos amigos progressistas de Abinoã, a medida de uma pessoa na nossa cultura muito máscula é só julgamento estético.

O misterioso estranho chegou para Abinoã e disse: "estou morrendo... por favor, fique com essa carta" - e desfaleceu tão logo acabou de falar. Abinoã foi embora dali, como se uma pessoa caída numa poça do próprio sangue não tivesse nada que ver com ele. Torturado pela curiosidade, ele abriu a carta pra ver o que tinha. Era uma folha de papel ordinária em que vinham mal-escritas as seguintes palavras: CITRIC VIVE. TREMAM MORRENDENSES. - "Que porra é essa?" - pensou Abinoã, consternado com o conteúdo sem sentido da carta que lhe foi confiada pelo vagabundo morto.

E aí Abinoã voltou para sua toca de tigre, se acomodou no sofá e tratou logo de pegar os gatorades de uva e fruta do conde e beber os dois juntos para ver de qual cor ia sair o vômito. E então ele ouviu alguém batendo à porta. Abinoã não estava acostumado a receber visitas ao seu domínio desleixado, e logo se levantou para atender a porta, avisando "já vou".

Ao abrir a porta, a respiração de Abinoã falhou ao ver um nórdico de quase dois metros, vestido com casacos de pele da avó dele, provavelmente, e amuletos de pedras vermelhas, com os bigodes idênticos ao do falecido mensageiro com o qual Abinoã topou na farmácia, os olhos que nem adagas, da cor de aço. Ele ficou um tempo parado sem fazer nada, e Abinoã estava tão nervoso que ele quase vomitou.

Abinoã o convidou para entrar, afinal. O visitante se sentou no pufe em volta da zona que era a casa de Abinoã - tudo vomitado, pratos usados no chão, e pilhas de garrafas vazias de gatorade, roupas suadas e vomitadas (Ainda que Abinoã não usasse roupas por ser um tigre; ele só tinha para sujá-las e deixá-las vomitadas). Para quebrar o gelo, Abinoã então perguntou: "Pois então... pra que time você torce?"

"Não há tempo para perder" - finalmente disse o estranho - "você tem a carta, me mostre, porra!" - a voz ribombou por toda a casa, e Abinoã fez beicinho e quase chorou. Ele mostrou a bizarra mensagem a ele. O estranho leu, e ele se esforçava para não ser sobrepujado pelo horror. Logo ele disse: "pegue tudo o que você precisa. Temos que ir embora daqui o quanto antes... nada mais é seguro para quem recebeu a mensagem."

"Ô, como assim? Você tá me expulsando da minha própria casa? Tá maluco? E o que me garante que você não vai voltar aqui e..." - Abinoã não teve a oportunidade de terminar de falar, antes de ter uma espada apontada para sua garganta. O rosto do visitante se contorceu em um rosnado, e o suor frio escorria pela testa de Abinoã, que se resignou a obedecer para não virar um daqueles casacos de pele de avó; "Tudo bem, tudo bem, já pego!"

Abinoã juntou uma mochila com uma meia sem par, uma camiseta suada com cheiro de rato morto e dois gatorades, sendo que um já estava meio bebido.
Os dois partiram a pé para o distrito industrial da cidade, até chegarem no que seria um aterro. "Aqui parece um ótimo lugar para montar acampamento" - disse o ainda misterioso estranho, com seu senso arbitrário de boa localização. Era lá que passariam a noite, e Abinoã torcia para não serem atacados por indigentes.

Abinoã estava bastante desconfortável, e se manifestou a respeito: "cara, você nem me disse o seu nome"

"Meu nome é Frithamund" - disse Frithamund - "E aparentemente você não tem ideia da gravidade da situação que aquela carta comunica..."

"Não mesmo... era pra eu ter? O que que era aquilo, afinal?"

"Citric está voltando. Ele é o rei cruel de uma feroz raça de bárbaros, os vicegodos, os mais ou menos godos, os em cima do muro que não queriam ficar do lado nem dos visigodos nem dos ostrogodos - sempre que haviam discussões entre os dois grupos eles diziam: "calma, gente, deixem disso, afinal não somos todos godos? O importante é sermos godos com muito orgulho, com muito amor!". Ninguém nunca levou eles a sério, então Citric ficou com raiva e recalque no coração; eles são os renegados da História, que vão por sua vez sacudir as bases com AK-47s incivilizadas! A cada não sei quantos anos, só sei que não é no mesmo ano das olimpíadas,  ele volta em uma nova forma para ser o flagelo da humanidade!
O retorno desse bárbaro perverso é anunciado por terríveis sinais como desastres, ataques terroristas, crise econômica, é... hm... é, nada que não esteja sempre acontecendo. Aí fica difícil prever, sabe...

Ele voltará com hordas e mais hordas de bárbaros assassinos, e os campos serão afogados com sangue! As riquezas do mundo serão saqueadas enquanto as cabeças de recém-nascidos são enfiadas em lanças, e os homens e mulheres degolados em massa e jogados em valas! Ele não vai poupar igrejas nem hospitais! Os bárbaros não irão parar por nada e..."

"Mas você também não é um bárbaro? Pelo menos aparece um. Quem é você nessa história toda? Nem explicou..."

"Ah, bom... é... então... eu tô do lado do bem! Isso que importa! Nos ciclos em que Citric volta, as forças boas se unem para enfrentá-lo nos Campos Cataláunicos, como sempre."

"Campos Cataláunicos?"

"Sim, você é surdo por acaso? Eles são... mais ou menos... por aqui... serão nessas planícies em que as legiões serão cobertas com os véus da guerra! Aqui irá soar o clangor do choque entre espetos de churrasco customizados - ah, como é gay essa palavra - onde os cascos dos cavalos atropelarão os incontáveis mortos e no meio desse caos, o pessoal vai ficar espirrando champanhe um no outro! Vai ter rinha de lagosta e um bufê só com passas! E aí chega a parte em que potes de Nutella são enfiados um atrás do outro no cu das pessoas que são chegadas nisso, como o beto richa certamente, e eles estouram dentro do reto, pelo vácuo criado! Todos morrem de hemorragia interna!"

"Eita... sei não hein se eu continuo por aqui."

"Você deve... Abinoã" - como ele sabe meu nome? - pensou Abinoã - não lembro de ter dito pra ele... - "Porque você é o Escolhido! E também porque as forças do Bem somos nós dois, contra um mar de guerreiros inimigos, já que o outro cara lá morreu pra te entregar a carta... - Frithamund logo viu Abinoã de costas, indo embora - "Espera! Não é desvantagem numérica! É simbólico!"
- Abinoã não fez o menor caso, e Frithamund gritou: "O mundo inteiro como você conhece vai ser destruído! Você não vai fazer nada?"

Abinoã então parou sua fuga, e sentiu um enorme aperto no peito. Ele sabia que deveria ter levado uma maracugina também com aqueles gatorades... vítima de uma fatalidade, a vida de Abinoã parecia agora roubada para que ele fosse obrigado pelo Destino a fazer frente a uma ameaça cósmica. Ele nem sabia ao menos se estava preparado, e a ideia dele ser o Escolhido para deter a calamidade e não conseguir dar conta o deixava paralisado de horror. Voltando a Frithamund, Abinoã perdeu toda compostura e chorou convulsivamente.

Na tribo de Frithamund acreditavam que sentimentos eram coisa de viado, e então ele ficou impassivo. Antes de Abinoã acalmar e acabar de chorar, Frithamund jogou uma espada reserva que tinha para ele. "Eu irei mostrar para você como se faz". E assim a lição de Frithamund começou, e passou para Abinoã o que era importante sobre manter a guarda, decepar membros e cabeças, cortar tendão e osso. Logo não haveria um adeus que Abinoã não fosse capaz de dar.

Nos intervalos das aulas de esgrima das quais Abinoã precisava pro dia seguinte, Frithamund passava exercícios calistênicos que ele inventou na hora. Inclusive jogava umas pedras em cima do bucho de Abinoã para endurecer seu abdômen - mas isso só fazia Abinoã cuspir um jato de sangue. Frithamund também relevou a ele que um ovo de pata todo dia pela manhã era o segredo da sua enorme imbecilidade.

No final do dia, os músculos de Abinoã estavam... doídos. Frithamund viu que ele já tinha sofrido o bastante e suspendeu o treinamento. Abinoã viu que tinha aprendido muito com o mentor, ou pelo menos achava. Não sabia no entanto se deveria confiar nele, afinal era um bárbaro fedegoso, junto com ele contra muitos outros bárbaros. Não eram todos da mesma essência, nos portões da civilização, movidos pelo ódio de tudo que fosse parecido com nossa cultura, uma arrogância diante da civilização que eles parasitam?

E lá foi Abinoã perguntar para Frithamund no que, exatamente, ele era diferente de Citric. O bárbaro se ofendeu com a pergunta e deu um tabefe com as costas da mão em Abinoã tão forte que o derrubou - na real, não era tão difícil assim.

"Como você me fala um absurdo desses, tigre cretino? Você é burro por acaso? Já não disse que eu sou o bom e Citric é o malvado? Não ficou claro o bastante?"

"Mas é que... é que... vocês dois... são bárbaros..."

Frithamund bufou. "Então eu é que sou o bárbaro? Eu que conheço como você o limite de matar e não matar, que diferencio certo do errado que nem você? E ainda, que tenho sentimen... opa, opa, quer dizer, é, hm... ah que se foda... que tenho sentimentos que nem você?"

"Mas então, até dá pra entender, mas os bárbaros... eles usam peles, têm bigodes gays, capacetes chifrudos, e além disso comem enquanto cagam, bebem até vomitar, e são violentos, violentíssimos violentos sem parar. Só falam, numa língua que não dá pra entender porra nenhuma; dá pra acreditar mais que você está do lado do bem porque a gente entende o que você ouve, parece até... civilizado... mas então é só sobre morte e de sangue, além de crendices e a religião de vocês, a que for. Você já esteve alguma vez sem essa espada? O que mais você e Citric fazem além de guerra? Quando vocês param para assistir séries e ir pro teatro? - isso é o que gente civilizada faz. Com vocês bárbaros provavelmente não ia ter isso e ia virar tudo um put..."

"Então, escuta você, Abinoã. Quais séries você tem acompanhado? Viu House of Cards? Até que episódio? Como não chegou no final da segunda temporada? Qual foi a última vez que você foi pro teatro? Quantos livros você leu esse ano? Sabe o hino nacional de cor?

É, foi o que eu pensei... isso faz de você um bárbaro? Talvez não, porque filho de civilizado bárbarozinho não é. e talvez seja essa a única garantia que você ganha. Eu também não tenho toda a 'cultura' desses tópicos que eu falei antes, e então civilizado não posso ser, ãh? Acho que a cor do cabelo, da pele e dos olhos também não deixa, ãh? Bem justo, e vai ser essa a última linha de defesa de gente idiota, porque faz tão pouco sentido que não dá pra ter discussão, é "a verdade pronta" pra falar na cara do outro. Tem gente então que simplesmente "nasce" como você ou como eu, mais confortável ou menos, e se penduram como podem à ideia pronta do que são, e parece que é uma coisa que se perde - é você ou eu, na tua cabeça."

"Por que os civilizados não vêm até aqui? Por que tem só a gente aqui?"

"Eles simplesmente não vêm, Abinoã. E não acho justo cobrar isso deles, da mesma forma que não dá pra dizer que os teus "bárbaros" não estão vindo todos contra nós. Você acha ainda que essas duas categorias fazem sentido pra dar as respostas que você precisa?"

 "Sei não hein, hehe, isso tá me parecendo conversa de vicegodo bundão em cima do mu-AI!!" - Frithamund deu com as costas da outra mão direto na cara de Abinoã, pros vergões ficarem simétricos.

Sob uma noite de lua cheia estavam os dois acampados. Frithamund tirou o escudo das costas, o escudo do guerreiro, que ia sempre na frente de sua espada embainhada, pousou-o no chão e removeu cuidadosamente as camisinhas que haviam no interior. Com uma pedra "mágica" ele acendeu uns carvões sob o escudo; quando ele já estava pelando de quente, ele colocou um pedaço de bacon que carregava no bolso dos calções folgados, amarrados com uma corda à cintura - e Abinoã ficou aliviado de saber que aquela mancha ali era só de gordura. Frithamund colocou o bacon em cima do escudo pra assar, e aquela ia ser a janta dos dois.

Depois que terminaram de comer, Frithamund se aproximou de Abinoã, junto ao fogo do escudo, e disse: "E agora, fazemos amor."

"Ô, ô, ô! Como assim? Você acha que é assim, é? Bom, você tá com a ideia errada, não tô... é... jogando nesse time. E ainda por cima, só tem umas poucas horas que eu conheço você, e... eu tô com dor de cabeça"

"Ah, Abinoã qual é... não penso em outra coisa desde que eu te conheci... estou ardendo de desejo por você!"

"Ora..." - Abinoã não pôde resistir, naquele momento mágico, o fogo ardendo ao lado das chamas da paixão, em que os dois se consumiram. E você pode sentir o amor hoje à noite?
Ao amanhecer, Frithamund confidenciou a Abinoã que uma gozada na noite anterior ajudava a se concentrar na batalha vindoura.

E naqueles Campos Cataláunicos, a terra parecia que ia ceder sob os cascos e os pés da imensa horda invasora, que se extendia por todos os lados; o clangor das armas contra os capacetes e escudos, os olhares injetados de sangue, cheios de ódio e estupro, os gritos e os cantos de guerra, cadenciados pela marcha pareciam a respiração de um enorme monstro formado por aquela massa humana.
Em qualquer lugar em meio aos brutos e os assassinos estava o infame Citric, enviado do demônio, montando um corcel negro, que não tinha culpa de ser negro, com cabeças decepadas amarradas à cauda, ansioso para devastar tudo que via pela frente, para trazer ao mundo apenas morte e destruição.

Abinoã e Frithamund pegaram em armas, para talvez um último grande enfrentamento, sabendo que se caíssem, seria pela vida e pela humanidade, mas as forças do Bem haviam de ser vencedoras naquele dia, porque o destino do mundo estava nas mãos daqueles dois.

Abinoã e Frithamund se atiraram contra as hordas e enorme foi a sanguinolência. Eles cagaram o sangue do infame inimigo, e cagaram sangue eles mesmos porque o bacon da noite anterior ainda tava meio cru. Ninguém estava a salvo, cada um que enxergavam era posto à morte com suas lâminas cruéis. Os berros de dor iam deixar todos surdos, junto com o choque de lâmina contra lâmina, contra os escudos e armaduras, os cavalos colidiam uns contra os outros; o chão já era um mar de morte em que os caídos se afogavam.

Abinoã trucidava dezenas ao seu redor, ele jurou que todos iriam sucumbir diante da Espada Selvagem de Abinoã! Mas ele estava um pouco decepcionado; no fim das contas era só bater com a arma no crânio do outro até afundar - com o treinamento que recebeu, ele achava pouco elaborado.
De qualquer forma, Abinoã havia desperto o tigre nele, e quanto mais ele decapitava e desmembrava a escória que compunha a horda, mais ele queria matar; nada parecia o bastante.
A última coisa que o inimigo via era o olhar alucinado de Abinoã, além da boca empastada de sangue, e a espada que balançava em todas as direções, cortando cabeças e membros de montão.

Frithamund, que parecia viver apenas para guerra, já tinha matado bem mais; achava Abinoã ainda um amador. Feroz era a luta que opunha, mas tragicamente, Frithamund teve um derrame no meio da batalha e morreu - o colesterol dele tava super alto, a dieta dele era só o bacon, que era a única coisa que ele sabia cozinhar.

Abinoã viu Frithamund caindo e gritou "Nããão!" - e agora Abinoã estava meio enfurecido, meio desesperado, enfrentando agora sozinho a horda inteira. Sempre matando mais e mais, Abinoã fez seu caminho entre a horda, e teve de repente a orelha arrancada com uma machadada, e agora só podia concentrar em berrar que nem uma criança. Era Citric, a cavalo! Ele ergueu o machado para pôr fim a Abinoã! E em meio à agonia desumana que suportava, Abinoã enlouqueceu completamente e mordeu a jugular da montaria de Citric! Sangue jorrou como se fosse parte de um parque aquático de sangue, e Citric foi ao chão com o cavalo morto.

Abinoã pegou uma espada qualquer do chão, enferrujada e meio torta, foi até Citric e gritou: "Isso é pelo Frithamund!" e fincou Citric à terra com a lâmina. O rei dos vicegodos gritou, com o sangue borbulhando na boca, e finalmente morreu. Mas ao contrário da grande tradição dos filmes do Star Wars e Senhor dos Anéis, isso não resolveu todos os problemas, tinha todo o resto da horda ainda. E deu um trabalho da porra se livrar de todos eles. Mas assim pelo menos Abinoã malhou os glúteos.

Epílogo: Abinoã no fim tinha ficado meio decepcionado com Frithamund. Achava que ele era um "bárbaro", mas ele ao invés de ser bruto e barbarizar, só ficava viajando. Meses depois, Abinoã descobriu que estava grávido dele, sem dúvida daquela noite intensa, porque Abinoã não tinha nenhuma experiência sexual digna de nota além daquela. Aí ele ficou muito confuso; a vida toda ele pensou que ele era um tigre macho! Mas se bem que "Abinoã" é um nome unissex...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Abinoã Galanteador

Tudo começou há muito tempo, quando Abinoã, o tigre que vomitava, na sua vida tipicamente à toa, decidiu ir atrás de uma guria que lhe excitava sobremaneira sua curiosidade, entre outras coisas.

O que mais lhe excitava nela era o fato de que ela estava envolvida na fabricação de fraldinhas, de pequenas fraldas de todos os tamanhos - embora pequenas demais pra bebês e grandes demais para rouxinóis e hamsters. Ela passou a ter uma produção individual, tudo bem caseiro, artesanal. Abinoã realmente tinha uma tara por livre iniciativa, empreendorismo lhe deixava louco de tesão.

E foi por isso que ele passou a conversar com ela no Orkut, para onde todos migraram depois da inevitável irrelevância do Facebook.

Ela tinha vários admiradores de seus dotes físicos naquela rede, e Abinoã também olhava as fotos para sodomizar sua imaginação. Olhando nos comentários, porém, algo despertou nele uma fúria bestial! Ele quase arremessou pra longe o computador! (porque pra ele tudo se resumia a ir na loja e comprar outro, bicho escroto)

"Ela é minha" - constava no comentário das 2:38 da manhã, de autoria de Percival. Ele era exatamente o que ele pensava dele mesmo, ou seja, um filho da puta fodido!
Percival passava a noite inteira se masturbando e falando com os the sims, aquele lá de tiro, e sua vida não tinha grandes acontecimentos até que veio uma solicitação de amizade da parte de Abinoã, que ainda vinha com scrap, o que era muita civilidade da parte de Abinoã: "kra, se vc falar de novo com a mina daquele jeito vc vai morre, seu otário corno fdp"

Percival foi tomado de sobressalto com aquela hostilidade comunicada, e não tardou em ripostar à altura: "otário é vc seu viadinho, vc ké apanha seu merda?"

Abinoã riu daquela ameaça, e respondeu em termos corteses, dizendo que ele iria cortar os membros dele tão devagar que ele iria implorar pra morrer logo.

E foram dias sem fim de uma violenta guerra visual e textual, de um mandando comunidades ofendendo a banda que o outro gostava; às vezes um deles até gostava da banda que estava xingando, mas aquilo era guerra, a guerra que corrompe o coração dos homens.

Certa vez Abinoã mandou uma foto, a primeira foto que ele mandou pra ele - sinal de que estavam trocando intimidades e o que tinham de bonito.
Era ele sem camisa esticando um cinto como se fosse um chaco chinês ou uma bandana - e a legenda era de que se ele não terminasse seus contatos com a guria, isso iria acontecer a ele.

"Isso o quê?" - foi a resposta de Percival. E Abinoã não sabia responder, o que só agravou seu ódio contra o suposto pretendente de sua amada.

E então Abinoã marcou deles se encontrarem para resolverem isso nos punhos. Percival perguntou se ele demorou demais pra propor isso porque era uma bichona.

Os dentes de Abinoã cerravam sem parar uns contra os outros, e o mero pensamento naquele Percival fazia seu sangue ferver em ódio.

Abinoã se dispôs a dar uma surra nele, mas de fato ele não estava acostumado a bater nas pessoas. É claro que nas redes ele era o fodão, mas na vida real ele era tímido e se deixava empurrar e encoxar no ônibus.

Ele precisava defender sua amada, que de tão atraente ele não sabia quantos quilos de carne ia precisar comer pra conseguir encher de porrada os cretinos que tentavam se engraçar com ela.
O que importava é que ele precisava agir logo e iria começar um regime unica e tão somente a base de carne. Pouco importava se o pai dele morreu por causa disso. Para Abinoã, só de comer carne ele ia criar músculos que ele precisava para ficar fortão e bater nos outros; era uma concepção que ele mantinha inalterada desde os 5 anos.

E ele gastou todas as suas economias indo em churrascarias todo santo dia, porque ele era folgado e incompetente demais pra cozinhar. Bem que ele comprava uns bifes, e no café da manhã ele batia no liquidificador e bebia.

Dias e mais dias fazendo isso ao som de eye of the tiger, Abinoã, além de hipertenso, estava pronto para enfrentar Percival. O dia fatídico chegou, e Abinoã ia precisar de todas as suas forças!
E então ele foi na churrascaria para mais um rodízio, que poderia ser o último, e então ele mandou pra dentro mais costela, picanha, maminha, cupim, e coraçãozinho, enquanto que os funcionários do lugar o observavam incomodados, porque ele não parava de chamar por eles e pelo que o dono do estabelecimento disse, ele já estava dando prejuízo. E assim Abinoã foi convidado a se retirar do estabelecimento.

Os dois oponentes tinham marcado de se enfrentarem em um lugar público, e para lá Abinoã foi, e todos que cruzavam com ele mudavam de calçada ao verem sua cara de raiva ensandecida e ouvirem sua respiração que parecia um chiado agudo. Foi uma caminhada de 15 minutos e Abinoã estava ensopado de suor.

E foram mais 15 minutos que Abinoã esperou, e grande foi a decepção, porque Percival não veio!
Ele mal conseguia acreditar; como ele poderia não respeitar o que disse na Internet? O que existe de mais sagrado do que as mensagens de texto do bate - papo completamente ignorado do Orkut, para não se respeitar?

E Abinoã não sabia dizer se venceu, porque não realizou justiça nenhuma contra Percival, o inimigo que estava lá na Internet,  com aquela selfie de um espelho que refletia a parede rachada, daquele sorriso malicioso e nada espontâneo que nunca mudava, em nenhum instante!

Foi por esse motivo e por outros que Abinoã decidiu que tinha que bater ainda em alguém. Ele abordou um passante aleatório com gestos amplos e ameaçadores, com braços estendidos, convidando para o mútuo massacre.
O sujeito primeiro achou estranho, mas a insistência de Abinoã terminou por irritá - lo, e ele finalmente decidiu partir pro braço!

Ele afundou o punho na pança inchada de Abinoã e pá! Foram pedaços de carne mal - mastigada e vômito para todos os lados!

O atacante foi coberto de vômito, e ficou de cara! Era a camisa favorita dele! Ele até ia bater mais em Abinoã por conta disso, mas não queria se sujar mais ainda.

Abinoã caiu de joelhos à terra, vomitando sem parar, enquanto olhava com ódio, com a cara terrível de uma vaca zangada para o seu oponente, que lhe deu as costas e foi embora.

Uma pequena multidão curiosa se reuniu em sem - círculo para ver Abinoã em meio de um oceano de gorfo, e ele continuou a vomitar até perder os sentidos, de exaustão causada por vomitar demais.

Epílogo: Percival parecia ter largado de importunar a guria, impressão ou não, e Abinoã criou coragem para seguir cortejando sua amada. Ele falou com ela de curiosidades que ele viu por aí, tipo que mulheres menstruadas sentem mais tesão quando o cara mete nelas, e ele perguntou se ela não queria experimentar. E aí ela excluiu Abinoã em todos os âmbitos da vida e nunca mais falou com ele.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Abinoã - Hiperatividade Paranormal

Tudo começou há muito tempo, numa época em que Abinoã, o tigre que vomitava, não estava acostumado com visitas. Ele tinha começado sua vida como se estivesse no the sims 1, tinha feito a casa à sua imagem e semelhança, e agora tinha um computador com escrivaninha no lugar da tv - que deveria ser o fogo do lar - e do lado tinha um balde para ele dar uma vomitada. Sua toca de tigre havia sido projetada conforme seus mínimos caprichos, sem levar em conta a vinda de outras pessoas que não pertenciam àquele lugar. E agora estava bem claro que ia vir gente, se não estava antes.

Ele jurou que ia ser um membro produtivo da sociedade, e usar o computador para fins exclusivamente profissionais, e não para se bronhar furiosamente.
Enfim, ele tinha grandes objetivos em mente para a vida que se estendia diante dele, e nada iria ficar no caminho deles.

Mas então chegaram dois primos magrões, com quem ele não falava havia anos e anos. Eles disseram que queriam visitar, que é importante, família, tudo mais. Isso com certeza desafiava Abinoã, que estava com a geladeira vazia - ele só comprava comida quando dava na telha. Ainda tinha o pequeno detalhe da dieta vegetariana de Abinoã; o que tinha para servir para os infelizes era cenouras baby, que estavam zoadas devido ao fato que Abinoã não as comia inteiras, ele ficava roçando os dentes nelas, e elas ficavam emulsas de baba dentro da embalagem, onde ele as punha de volta sempre.
Tinha também um caroço de feijão e um ovo cozido frio.

Ele foi servir cafezinho, que veio metade da xícara com café moído dentro, sendo que o filtro de meia suja não deu muito certo.

A noite caiu e parecia que era hora deles irem embora. Mas não, começou como visita, daí virou "uns problemas que eles tinham que resolver", e que se prolongavam sem parar... até que eles praticamente moravam junto com Abinoã, não contribuindo nada em termos financeiros, claro.

Aquilo tudo era insustentável para Abinoã, que teve que desfazer a pilha de roupa que tornava intransponível o chão do banheiro. Ele podia, sei lá, chamar a polícia pra mandar eles embora, e resolver logo toda essa história. Mas Abinoã não era nada do tipo prático. Ele iria encontrar um modo muito idiossincrático e hiper elaborado de se livrar da presença deles... ele devia achar que isso aqui era a Disney, o otário.

Abinoã decidiu que ia fazer os dois acreditarem que a casa era mal-assombrada e espantá-los, para assim reafirmar seu domínio sobre aquele muquifo imundo que ele chamava de casa.

Ele investiu bastante em fios de nylon para fazer as coisas parecem que se mexiam sozinhas, mas aí ele teve a ideia de investir um monte de dinheiro em efeitos especiais de última geração, em que a realidade simulada mal se distinguia da realidade... real, que era a de verdade. E Abinoã ficou de cara como esse povo de efeitos especiais super fatura tudo, são uns vampiros gananciosos da porra, que cobram o olho da cara e ainda fazem um negócio muito pouco convincente; doeu muito no bolso o que ele teve que desembolsar, ele só esperava que fosse vingar.

Os dois magrões estavam dormindo no chão com um edredom cheio de manchas amarelas, e um deles, entre vigília e sono, sentia coceira no nariz, que logo foi aliviada com o toque, mas ele sentiu que o toque não era dele, mas de uma aparição! O berro que um dos primos de Abinoã foi de gelar o sangue dos mais valentes, e ainda assim, o sádico do Abinoã não ia parar de atormentá-los.

E eram portas de armário que batiam sem parar, colheres sendo arremessadas para todos os lados, para fora da embalagem melada de chandele, passos corridos entre o quarto e a cozinha deixavam os dois primos com os nervos a flor da pele, que seguravam a respiração só para  ouvir as correntes arrastadas em seguida - tendo em vista que a única coisa mais assustadora que fantasmas são fantasmas com déficit de atenção!

O reino de terror com alto orçamento finalmente afugentou os dois, que saíram da casa em disparada, com o cabelo branco e enlouquecidos! Vendo eles da porta, Abinoã deu uma risadinha sardônica de triunfo, o sacana.

Dias depois, quando Abinoã tava na rua, a casa dele foi tocada abaixo por um misterioso incêndio - que veio da parte elétrica, da qual ele não entendia nada, mas não foi menos misterioso de qualquer forma.

E a seguradora deu uma merreca aviltante pra ele; eles disseram que não podiam pagar mais porque o valor da casa despencou quando descobriram que ela estava assombrada, e ninguém ia querer comprar ela. E foi assim que Abinoã morreu na miséria.

Moral: Sempre chegue cedo para a aula.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Spi: Num passe de Trágica

Tudo começou há muito tempo, na época das mil e uma noites, em um palacete - modelado todo no formato da cabana do Shrek, porque seus moradores pensavam muito, demais, nos seus dois filhos pequenos: Indigarr e Kasmático, que foram criados apenas para fazerem rinhas entre si, e os pais chamavam um monte de gente pra ver e apostar - assim não precisando eles correrem atrás de emprego.

Sobre os dois guris velavam duas fadas madrinhas, mas fadas do sexo masculino, com direito a asinhas e sapatos pontudos. Eram Spi e Machado, dois integrantes do Povo do Farol Aceso - o qual nenhuma quantidade de blusas poderia disfarçar a sobressalência mamilar característica desse povo feérico.

Tanto Spi quanto Machado ficavam consternados de serem chamados de fadas. Achavam que a língua era muito discriminatória, e pensavam em alguma coisa que refletisse melhor a diversidade de gênero; já tentaram ser chamados de "fados", mas nunca pegou. Tentaram também aquela coisa lá dos xizes.

Contudo, era sempre a mesma a missão dessxs fadxs: proteger e cuidar com muita magia de crianças depressivas, A essa missão tinham de se doar corpo e alma, com uma disciplina férrea e infalível.
Indigarr estava deprimido porque isso era parte de um processo de final de infância e formação de personalidade, ao passo que Kasmático estava deprimido porque ele era o filho que o pai deles teve quando pulou a cerca com a empregada; quando a casa dele caiu, ele teve que se divorciar e se casar com a empregada, mas nem por isso deixou de tratar a mulher como empregada. Por conta desse nascimento não requisitado, ele odiava Kasmático e fazia questão de mostrar. Fora isso, Kasmático tinha uma asma ferrada, muito grave, que o tornava imprestável para as brincadeiras dessa idade, mas ele não tinha escolha senão servir pras rinhas, porque sabe-se lá o que lhe aconteceria se não servisse mais.

Toda a noite em que os moleques se deitavam apáticos por essa doença da alma, vinham as fadas e cantavam músicas New Age para eles e estimulavam a puberdade vindoura neles esfregando seus narizes de madeira nas partes íntimas deles - eles argumentavam que era um processo natural, e que fadas não tem idade, então não é pedofilia.

Em uma daquelas noites, enquanto cantavam, Spi fitava ferozmente Machado - alguma coisa nele o incomodava; às vezes Spi começava a elevar tanto o tom de voz que arriscava acordar a molecada, e cantava irresignadamente que "vinha do leme, vinha da vela, vinha do timão, vinha do cabrestante..." e outras coisas de Galinha Pintadinha.

Spi tentava atropelar o canto da outra fada, querendo aparecer mais, sempre, com uma frequência tal que isso já não podia mais passar despercebido.

Os dois voltavam perturbados cada qual para sua casa de cogumelo na floresta mágica do Povo do Farol Aceso assim que o sol raiava e as crianças precisavam colocar o uniforme e ir pra escola.
Spi tinha sua mulher o esperando em casa, e ele lutava para não beber um uísquinho ao chegar do trabalho, eram seis e meia da manhã. Sua mulher o perguntava se tinha algo o afligindo, mas Spi era impassível como a muralha da China.

Machado estava em cada um de seus pensamentos, ultimamente. Não fazia tanto tempo que trabalhavam juntos, e se davam bem; Spi sempre emprestava seus cds favoritos a ele, que os usava como encosto de copo. Entretanto, a convivência lhe colocava ideias estranhas na cabeça. Seu colega fada-madrinha, além de exercer a função, tinha um estacionamento, o mesmo no qual Spi rotineiramente estacionava seu carro, que chamava afetuosamente de Spi sobre Rodas. Parecia burrice que ele tivesse um carro se ele já tinha asinhas, mas o carro servia somente para ele arregaçar as prostitutas, que nem GTA - mas quando isso era trazido a tona ele lembrava que isso era antes de conhecer a patroa. Coitado, ele devia achar que alguém ia acreditar, da mesma forma que ele acreditava que ele pudesse pegar alguém que não fosse puta com o apelido que havia posto no carro e os adesivos nele, sem falar do que ele escutava enquanto dirigia.

Enfim, Machado tinha aquele terreno grande que conseguiu de herança, estacionava um monte de carros e ganhava uma baita renda com aquilo - ele nem precisava estar trabalhando, se não quisesse. Ele conseguiu estabilidade, estabilidade da alma - pra ele a única coisa que importava agora era procurar satisfação naquilo que o dinheiro pouco suado dele compra. Ele se tornou uma pessoa completamente medíocre, uma "pessoa bem séria", que só tem visões de mundo que não deem trabalho - afinal estabilidade era todo o fundamento daquele mundinho dele. Antes da estabilidade financeira não havia Adão, talvez nem Deus existisse.

Spi no entanto, ralou muito como fada-madrinha para conseguir a vida confortável que tinha, e pretendia ralar mais para comprar um barco - por isso que ele cantava aquelas músicas de leme e de vela. Um barco inútil, visto que Spi morava bem no interior, mas um barco que dá status, com o qual ele iria singrar os mares, e, lógico, entupir o instagram de fotos, com ele no convés com a genitália aparecendo, na esperança de que a dor de cotovelo fosse soberana. Desde muito sonhava Spi com o barco, principalmente com duplos sentidos ridículos de linguagem náutica, como "o amantilho, que o mantém suspenso, e o gaio que impede que o pau suba". Ele se identificava um monte com essa "cultura" de barco, até descobriu que o nome dele vinha da linguagem náutica: "A forma do Spi está optimizada para aproveitar a força do vento vindo de trás da embarcação provocando um movimento não laminar do vento sobre esta vela. A sua forma redonda característica quando enfunada pelo vento e as cores com que é decorado valei-lhe a designação de balão." []
E com aquelas canções náuticas Spi se tornaria tal como Melchior, o Inimigo Antigo, o Ser das Trevas, taturana, Holocausto Canibal - só ele poderia contrariar a canção de Ilúvatar e ser o mais soberbo e o mais querido. E Spi olhava com ganância na alma para Machado, ainda assim.

Nada faltava na vida de Spi, mas ele o deixava se sentindo mal na própria pele; Machado era muita coisa que Spi não era, ele tinha assuntos mais interessantes, as mulheres sempre pareceram gostar mais dele, tinha hábitos mais saudáveis, era faixa preta em um monte de artes marciais das quais Spi nunca tinha ouvido falar (ainda que fosse uma fada), tinha melhor gosto musical e o troço dele era gigantesco e deformado.  O troço de Spi era bem torto.

Talvez no barco Spi encontrasse resposta para suas aflições em face de Machado, que provavelmente nunca teria um barco, "medíocre do jeito que é". Certo que fonte imbecil de renda de Machado era só ter um terreno, nada edificante. Entretanto ele trabalhava como fada-madrinha, ainda que não precisasse, fazendo um serviço para a humanidade. Podia-se duvidar do quão medíocre ele poderia ser.

Ainda assim era Machado também a sucumbir a certas idiotices da cidade cheia de nudez; modismos bestas e novidades. Houve tempo na floresta do Povo do Farol Aceso em que comida era apenas comida, e havia um pouco menos de pretensão em seu comércio.
Ele levou seus sobrinhos, ainda na idade da inocência das fadas, os mamilos nem tão rígidos assim, para jantar fora, dizendo que eles precisavam experimentar aquele restaurante cubano novo que tinha aberto fazia poucas semana - falando isso de um jeito para parecer que eles moravam em uma cidade bem grande onde só retardados moram. Logo aqueles sobrinhos também se encaminhariam para achar aquilo super bacana, bacana além de qualquer medida.

Mas eles foram surpreendidos por Spi, que, realmente furioso, urrava e atirava uma dúzia de ovos cozidos neles.

O ataque deixaria uma cicatriz perpétua em Machado, mas por sorte ele não sofreu mais machucados porque os ovos estavam mal - cozidos; Spi não sabia cozinhar direito, e diziam que ele só queria se casar por causa disso. Os sobrinhos conseguiram se salvar, mas eles gritavam, desesperados, e choravam por suas mães.

Machado mal conseguia acreditar no que Spi tinha feito, Ele estava em choque. Humilhado na frente dos sobrinhos, ele jurou vingança.

E aí foi uma sucessão de retaliações: começaram a cavar trincheiras, troca de tiros, um atirou flechinhas no saco do outro. Aí passaram a colocar o nome do outro no Serasa.

Teve um dia em que Spi flagrou sua mulher em casa com o troço de Machado inteiro na boca. Spi ficou extremamente ressentido, todos aqueles anos e ele nunca ganhou um boquete. Para se vingar à altura, Spi tinha que transar com sua própria mulher também.
E ele decidiu fazer que nem os antigos romanos: ele ia meter nela com raiva, com violência, e quando terminasse ia virar de lado e beber uma garrafa inteira de vinho antes de dormir. Passou até a chamar a mulher de Eulália, porque soava mais romano.

Esse conflito seria a nova estabilidade, a nova constância da vida dos dois odiosos rivais - se presentearam com algo que nada poderia suprir, e só tinham a brindar com o fundamento de uma relação de noções imbecis e desnecessárias de um sobre o outro. Eulália já não queria mais continuar com Spi, e os dois se separaram. Spi até achou bom, assim podia dedicar mais tempo a tramar a derrota final de Machado.

No entanto, no mundo dos humanos, a asma de Kásmatico piorou muito, e eventualmente ele teve falência respiratória e morreu. Ao ver seu protegido sem vida, com os prantos da mãe sobre ele, Spi se perguntava se havia alguma coisa que ele havia deixado de fazer, se ele estava cuidando do guri como deveria. Não, ele dizia para si mesmo, foi fatalidade, a gente sabia que talvez ele não fosse longe, mas Spi se via sempre às voltas com a ideia de que a culpa era dele, ainda que não houvesse algo que ele pudesse ter feito, ele, o mais zeloso protetor.

Seja como fosse, agora ele era fada-madrinha sem nenhum protegido. Poderia haver outra criança depressiva que realmente precisasse de ajuda, mas ele próprio, nessa função, não sabia se era tão fácil assim. Talvez a consequência da perda de um protegido fosse uma morte pelo esquecimento. Não morreria que nem Kasmático, com sofrimento e com quem chorasse por ele, mas a vida na memória pouco consciente daquele moleque já havia começado a se desfazer - toda a significância que Spi poderia ter começaria a morrer, e logo ele iria junto.

E agora apenas o tempo dirá, se Spi conseguirá preservar a própria existência, e manter sua cruzada pessoal contra o escroto Machado.

Moral: o segredo da criatividade é esconder bem as fontes

Moral 2: o segredo de ser um filho da puta é ser um babaca.

domingo, 26 de julho de 2015

Abinoã - Cooptando Reis

Tudo começou há muito tempo com Abinoã, o tigre que vomitava. Ele era folgado e relapso demais para provisionar sua casa toda vomitada, e decidiu tomar café da manhã no Bob's, para depois regurgitar a comida semidigerida. Não foi sem alguma hesitação que ele decidiu tomar café lá, pois o Bob's tinha o problema de que às vezes tava fechado; ele ia às duas da madrugada e tava fechado...

Mas Abinoã deu sorte: naquela manhã, estava aberto; lá eles serviam o café da máquina numa temperatura que fazia magma derretido parecer morno e tinham uns salgados com vidro moído dentro, os mesmos com os quais tinham músicas na rádio pedindo para as pessoas terem cuidado.
A escolha de Abinoã foi motivada pelo fato de, ao contrário do McDonald's, eles não terem frescura e servirem chope; era bem disso que ele sentia necessidade pelas dez da manhã, visto que Abinoã era a própria imagem da decadência.

Muito para a chateação de Abinoã, a máquina de chope estava fora de funcionamento, e talvez o Bob's tivesse abandonado a venda de chope para sempre. Em todo caso, ele pediu no balcão um combo com fritas média e refri; só que o atendente respondeu muito irritadiço que eles só serviam esses lanches pelas onze e meia, agora só tinha café da manhã. Talvez aquele atendente fosse tão altivo e rebelde por levar a sério a alcunha de "colaborador" da rede, coisa que ele não era fora dali e nem para mais ninguém.

Abinoã ficou deveras consternado com essa palhaçada, mas então pediu seu café da manhã. Ele pegou, como sempre fazia, qualquer coisa dentre as ofertas que tivesse alguma palavra sem significado nenhum do lado do nome, como "Gourcius", ou "Gahmuret" - seja o que fosse, parecia uma palavra para usar como piada interna em um grupo de retardados. É claro que essa estratégia de marketing era o que influenciava Abinoã.
Foi uma gordurosa manhã para recordar... ele comeu uma coisinha mínima de manteiga e massa podre e continuava com fome.

E enquanto bebia o seu café para maiores bolhas na língua, ele pensava como poderia ser o resto do dia. Ele provavelmente iria fazer coisas que ninguém mais poderia fazer, como encabeçar um exército em uma guerra ou se envolver em brigas, sem nenhum fundamento aparente, só porque ele era e não era tigre, e não estava fazendo coisas de tigre como criar uma manada (pra qual ele preferia pagar apenas pensão alimentícia). Talvez a única coisa que levasse Abinoã a agir era a violência, a violência extrema, gratuita, que pulavam das palavras escritas o tempo todo diante dele; era um absurdo tanta morte, tanta violência, tanta teratologia; ele tinha certeza que tinha nascido no país errado e iria para um lugar onde não se visse nada disso.

E de qualquer forma, ele sempre morria. Era só um ciclo interminável na qual suas cagadas e burrices eram punidas com a morte. Talvez houvesse um dia em que ele não teria que se preocupar com a morte, quem sabe o dia em que ele se tornasse um vampiro (e aí seria normal vir sangue nas fezes).

Mas sempre pairava a dúvida no ar se, com tanta combatividade de tigre, ele deixava de fazer alguma coisa. Algo no seu interior lutava para se soltar, por mais que ele tentasse resistir... ele deveria esperar pelo menos pela próxima Copa...

Mas não ia dar, e, num momento de fraqueza, ele pôs todo o café da manhã dele pra fora, deixou a mesa toda vomitada. O atendente rebelde prontamente se manifestou: "cacete, o que foi essa agora? Vai ter que limpar tudo com a língua, seu puto!" - E Abinoã perguntou se eles não tinham um vinhozinho não.

Moral: Sempre lave suas mãos