quarta-feira, 21 de maio de 2014

O Estado das Cruzadas

Tudo começou há muito tempo, em uma vizinhança tranquila, cheia de guris que eram bem amigos entre si. Eles brincavam a tarde inteira daquilo que eles mais gostavam: UFC. Era contagiante a alegria:
"êêê Budweiser!"
"A gente divulga qual polêmica: fofoquinha entre lutadores ou lutador falando mal do chefe?" - "Não, isso fica pra outra semana. Bota aí mais um comercial de budweiser".
"Nossa! Vocês viram o que o Spider disse pro Miller?"
"Ah, o meu favorito é esse aí ó, não, espera, esse é o que perdeu quatro vezes de cinco no ano passado! Não, gosto mais desse que não perdeu aí..."
"De qual suplemento a gente faz propaganda hoje?"
"A gente inclui o pacote premium plus master de 16 lutas por R$ 199 em quantas parcelas? 3 ou 4?"
"Budweiser budweiser"

Às vezes as meninas da casa ao lado cansavam de brincar de administração de casinha e ficavam com vontade de participar nessa brincadeira, mas eram virulentamente rejeitadas sob a alegação de: "Não! UFC é coisa de homem! Tem que ser macho!"

Ah, sim! De vez em quando, tinha luta.
Todos de calçãozinho com publicidade, rodeando dois deles em um duelo com muito esfrega esfrega, muito encoxamento.

E era assim todo dia, até que um dos mesmos dois de ontem, o Luquinhas, estava meio pálido, meio tonto, e disse:
"Gente, eu não tô mui-"
e deu uma bela vomitada na grama alta do quintal antes de cair desmaiado. Seu oponente caiu em desespero, enquanto os outros tentavam reanimar Luquinhas: "Meu deus, eu nem toquei nele!"

Quando Luquinhas voltou a seus sentidos, ele estava em sua cama confortável com edredom do Frozen. Seus pais ficaram preocupadíssimos, ele estava muito estranho, com toda essa história de náusea. E notaram que ele tinha engordado muito! Pediram praquela vagabunda da empregada deles cortar o iogurte.

E ele não melhorava. Foi então que ele comprou um teste de gravidez, só por precaução, tinha medo do que poderia lhe acontecer o mesmo que aconteceu com sua mãe! E foi no banheiro, mijou no teste, e o horror tomou conta de seu ser quando ele acusou "positivo".

Impossível! Ninguém conseguia explicar como foi acontecer uma coisa daquelas! Mas a dúvida que não queria calar era: quem era o pai?
Poderia ser o Dudu, seu oponente e rival no 'UFC', com quem tinha se esfregado tão loucamente! Mas Dudu recusava categoricamente ser o pai, até porque não era só ele com quem Luquinhas lutava.
De qualquer forma, Luquinhas insistia para que Dudu o auxiliasse com pensão alimentícia! E a resposta era: "não mesmo!"
- mas achei que fôssemos amigos!"
"Agora que você fez chantagem emocional, não mesmo! Esse moleque aí na sua barriga não é meu! Não tenho que reconhecer"

Luquinhas disse que ele era um idiota e saiu correndo, chorando. Não sabia o que fazer... Até que lhe surgiu uma ideia. Ele foi no Rafa, amiguinho que brincava de médico, para fazer um aborto, enquanto ainda podia. Rafa, no entanto, disse que no plano de saúde que ele contratou não cobria abortos, e se fosse fazer pelo SUS só ia poder marcar pra 8 meses dali.
Mas Luquinhas protestou, perguntando que culpa tinha ele de contratar aquele plano se ele não sabia se podia engravidar, e dizendo que se fosse pra esperar pelo SUS, seria tarde demais! Rafa, no entanto, apenas se fez de joão-sem-braço, e Luquinhas mandou ele não reclamar se o dia em que ele crescesse ele virasse um incendiário de hospitais.

Havia cada vez menos esperança, e ainda um trabalho de história sobre os Estados Cruzados para entregar amanhã, com as normas da ABNT ainda por cima! Ele não sabia o que fazer, e, no caminho para casa, completamente fora de si, ele pegou um galho de mamona e perfurou o próprio bucho com ele.
Ele chegou em casa ainda pior do que saiu, e desmaiou enquanto punha sua mãe aos berros. Uma infecção tinha se formado nos ferimentos autoinfligidos, e por pouco Luquinhas não morreu.

Sua vida ficou por um fio, numa cama de hospital, até que a criança nasceu, um menino, que milagrosamente sobreviveu. Mas não que isso animasse Luquinhas.

Passaram três meses e ele ainda não sabia que nome colocar no moleque. Ele vivia pra cima e pra baixo sem camisa e de calção cheio de propaganda ainda, e foi no posto comprar leite Nan, no que ele basicamente gastava toda sua mesada. Certa vez, ele encontrou o Dudu lá, e a situação foi constrangedora e tensa para todos os envolvidos. Luquinhas mandava que ele visse o que ele fez. O parto foi por cesária, o que arruinou a tatuagem de estrela obrigatória de mmazeiro e gente que diz que "treina". Disse que Dudu era um irresponsável de merda. E assim, a situação se tornou um barraco, bem no espírito do UFC, no qual Luquinhas tacou um pote cheio de pão de mel no Dudu, que revidou: "vou contar pra minha mãe!"

E enfim ele voltou para casa, já com o filho berrando escandalosamente. Ele já tinha perdido noites inteiras de sono, suas notas no colégio despencaram, e lentamente Luquinhas escorregava para uma depressão.
O que já estava ruim apenas piorou quando seus pais chegaram pra ele e disseram que, em virtude do que ninguém imaginava que pudesse acontecer, não estavam conseguindo dar conta das despesas e iriam mandar o... é... ãh... o gurizinho sem nome pra adoção.

"Não!" - Pensou Luquinhas! Por menos apto que estivesse a cuidar da criança, ele não podia simplesmente cedê - la, era sangue do seu sangue! Deveria haver alguma solução, algo que lhe permitisse continuar cuidando dela! E finalmente lhe ocorreu ser um lutador de UFC! Não precisaria ser bem instruído ou talentoso, apenas ser o mais modinha o possível para ser completamente empastado de propaganda de Budweiser ou qualquer whey protein da vida! Encheria as burras de dinheiro só por ter amigos nos lugares certos!

E ele voltou a ver seus amigos após meses, apesar de serem uns trastes que nem foram atrás dele quando estava quase morto no hospital. E a primeira luta arranjada para qual foi escalado foi contra o Dudu! Ao vê - lo, ficou furioso e teve conduta muito antiesportiva!
Ele cometeu várias faltas graves, com dentada e necrofilia, e o árbitro obeso infantil disse que se ele continuasse com aquela merda, ele seria expulso para sempre do UFC! E o Dudu todo fodido, dominado e impotente disse: "por favor, Luquinhas! Pense no dinheiro!"

Luquinhas ficou comovido de ver que Dudu se importava, e que queria ajudá - lo! Ninguém no UFC nunca faria nada assim por ele! Em nome do amor! O que mais em nome do amor?
E assim a luta continuou ao melhor e mais  "justo" estilo do UFC, cheia de beijinhos na nuca e dormir de conchinha. E dane - se o resultado, porque no fim os dois ganharam, e celebraram bebendo "budweiser", fazendo de conta que não era Tubaína.

No fim, o Luquinhas confrontou o professor de história dizendo que os Estados Cruzados eram pura baboseira e não há prova conclusiva de que tenham existido, ou de que tenham sido relevantes, assim como o Império Latino, coisas com as quais somente o amante de travestis que era o professor se importaria.

E poucos meses depois, Dudu começou a passar mal e fez uns testes, e descobriu que estava incontroversamente grávido de Luquinhas, o que o fez gritar furioso: "Puta merda, Luquinhas!"

Moral: O orkut estimula ódio entre classes, raças e religiões, enquanto que o facebook estimula depressão entre moleques criados em apartamento.