quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Bad Kissinger: O Sonho, O Homem, A Aventura

Tudo começou no Oeste, em um tempo no qual um homem era um homem, e todos ouviam Mumford & Sons para entrar no clima, apesar de ser um enigma o que uma banda de hipster tinha a ver com arremessar machadinhas sobre superfícies. Todos viviam sob o jugo de coronéis que impunham sua vontade como lei através de jagunços armados até os dentes, e todos eram mantidos afogados em desemprego e alcoolismo, e com medo dos bugres que espreitavam afora pela selvageria, reputados pela avidez em escalpelar mulheres e trouxas.

E havia Bad Kissinger, que não se importava com detalhes históricos do país, afinal o país era um lixo; não tinha saúde, não tinha hotel, não tinha aeroporto que prestasse, conforme ele denunciava no seu instagram. Bad era o gatilho mais rápido do Oeste, e tinha uma cobra na sua bota. Ele era um cowboy, no sentido mais amplo da palavra; não era propriamente um vaqueiro, pois era absolutamente inepto em arrebanhar gado; ele tinha apenas três vacas magras e doentes, todas as outras foram roubadas ou pelos bugres ou por foras - da - lei. As restantes nem pra corte serviam. Quando ele as oferecia a algum fazendeiro, a oferta era prontamente recebida com uma joelhada nas partes íntimas de Bad Kissinger.
Ele podia ser o gatilho mais rápido, mas não para defender seu rebanho; na verdade ele estava se lixando para ele. Suas prioridades eram outras.

Ele passava parte do tempo em que não estava em uma pradaria fazendo cara de marrento ou cuspindo no chão curtindo a balada country, onde aproveitava para realizar essas mesmas atividades. Naquela época, os rituais de socialização e o entretenimento estavam condicionados à música típica, o sertanejo, que era um fiel retrato da vida interiorana, sem o amparo da civilização, com profundas questões existenciais aos rústicos peões, como embebedar meninas com tequila. Tinha tudo a ver com caras com jeans grudado e topetes ridículos. Era em lugares onde tocavam tais ritmos nos quais Bad tentava sua sorte com as mulheres.
No entanto, nunca conseguia qualquer gratificação, pois tinha um grave percalço: ele beijava muito mal. Seus beijos eram péssimos, que deixavam completamente contrariadas aquelas que achavam que um beijo, qualquer beijo, não poderia ser tão ruim assim. Até quando os pais dele o deixavam na escola, quando ele dava beijinho de tchau, os pais dele ficavam escandalizados e se viravam indignados e perguntavam: "que droga foi essa? Vai! Se arranca!". Ele até poderia ter uma boa aparência e uma lábia matadora, mas depois de se submeterem a uma experiência tão penosa, elas empurravam Bad pra longe com absoluta repugnância, não queriam nem olhar pra cara dele de novo. E tudo parava por esse ponto mesmo.

Nessas ocasiõs, não era raro que Bad Kissinger estivesse acompanhado de seu fiel aliado, que o ajudava (às vezes) com o rebanho: Dani Boy. Dani era jovem e impressionável, e usava gírias e expressões forçadas e falava de assuntos pífios dos quais fingia entender como se fossem a coisa mais legal do mundo, quando claramente não eram; ele passava bastante tempo nesses bares que Bad Kissinger frequentava, sempre contraindo doenças venéreas.

Houve uma vez em que estavam os dois enchendo a cara às duas da tarde, quando irrompeu pelo bar um peão que gritava ensandecidamente, revirando os olhos. Bad Kissinger e Dani foram socorrê - lo, e logo se sujaram de sangue quando tentaram lhe dar apoio. Ele se identificou como um dos trabalhadores de uma fazenda de erva mate das redondezas;  apesar de pertencer a pequenos proprietários, estes eram os reis da erva mate, mas o Coronel decidiu que uma estrada de ferro iria passar por cima do lugar. Nem os donos nem os trabalhadores arredaram o pé até o prazo estipulado, então vários jagunços apareceram e a incendiaram! Nem se incomodaram em gastar balas com os proprietários, eles o mataram com coronhadas e desovaram os corpos no meio do mato. A filha dos donos, Frida, acabou sequestrada por aqueles homens! A culpa do incidente todo foi atribuída aos bugres, e então o Coronel orgulhosamente anunciou à imprensa que uma expedição punitiva contra suas aldeias já estava a caminho. Faziam poucas semanas desde que o braço direito do Coronel incendiou umas aldeias e fotos de cadáveres de peles-vermelhas empilhados ilustraram notícias bastante otimistas, de que "justiça tinha sido feita".

Ele foi a única testemunha da atrocidade praticada a mando do coronel, e fugiu o mais rápido que pôde para tentar alertar alguém, quem quer que fosse, mas no meio do caminho havia uma emboscada, e tinha uma emboscada no meio do caminho. O peão levou três tiros nas costas e por pouco fugiu dos capangas do Coronel. Foi em seu último fôlego que pôde contar toda essa história aos nossos intrépidos hérois, antes de finalmente despencar morto no chão, empoçando - o de sangue e provocando a ira do dono do bar: "de novo não!"
Nenhuma justiça viria do poder federal, pois estavam mancomunados com os grandes fazendeiros. Agora cabia a Bad Kissinger e a Dani Boy darem um jeito no Coronel, pelo visto, enquanto que Dani pertinentemente comentou: "puxa, cê já viu como coronel lembra 'coala'?" - antes de levar uma cotovelada de Bad no estômago.

Todo mundo no bar tinha visto o moribundo junto a Kissinger e Dani Boy. Estes não poderiam mais contar com qualquer refúgio naquela cidade, pois seus intimidados habitantes prontamente os denunciariam ao Coronel, e na melhor das hipóteses, os dois terminariam mortos. O Coronel tinha uma reputação de ser absolutamente inclemente com seus inimigos; ele tinha sempre por perto um alicate cor de marca texto, que ele usava para apertar, torcer e espremer genitálias; e quando ele terminava, não sobrava nada.

Então os dois partiram para a selvageria dos sertões onde costumavam arrebanhar o gado, distantes de toda civilização. Ao anoitecer, estavam assando a carne de um cachorro abatido que Bad Kissinger tinha comprado dos bugres.
Dani Boy dizia: "Puxa, Bad, imagina como deve ser essa tal de Frida! O maior pedaço de pão..." - no entanto, Kissinger ficou impassivo. Ter pensamentos com mulheres o deixava consciencioso... pois seria apenas mais uma mulher que o abandonaria no primeiro beijo e o odiaria para todo o sempre. Dani notou essa preocupação: Ah, puxa, Bad... é o negócio do beijo, né?" - "Sim, eu sou ruim demais nisso, é uma técnica que eu não tenho, acho que é isso". - "Como assim 'técnica'? Tem nada de mais! É curtir o momento, você encosta os lábios e... a magia acontece". Bad levantou o olhar da terra e olhou fixamente Dani: "é uma falta de experiência..." - e depois de um longo silêncio, disse: "Eu... sou BV"

Dani ficou um pouco desconcertado: "BV? Como assim BV? Você já beijou, eu mesmo vi você beijando gurias, mais de uma vez! Você não é BV!"

"Pense bem, é da virgindade da boca que estamos falando!" - Certa vez Bad Kissinger esteve entre os bugres para uma viagem esotérica de autoconhecimento. Ele conheceu um antigo e renomado pajé, e a ele demandou como ele poderia perder o BV e se tornar um cara experiente. Para tanto, ele deveria introduzir um órgão viril pela boca, goela abaixo. Imbuído desse conhecimento milenar, Bad Kissinger deixou aquela aldeia, um pouco desconfiado, pois pensou ter escutado riso contido pelas costas vindo do velho pele - vermelha.- "É assim que se desvirgina as coisas! É o meio que devo buscar se não decepcionar mais as mulheres em graves momentos!"

Dani estava completamente chocado, e ofendido. Ele saiu correndo, chorando! Estava tudo ótimo até ele falar aquelas coisas! Nunca poderia esperar uma baixaria tão grande de alguém que respeitava tanto! Ele era tão bonito! Assim Dani correu desorientado pelos sertões, escuridão adentro, aos prantos, abandonando Bad para sempre, que ficou sem reação alguns instantes, diante da fogo que crepitava. A deserção de seu fiel escudeiro vinha como um baque, maior do que já estava acostumado. Ele se esforçava para entender  o que havia feito ou dito de errado! Não pensava que tamanha sensibilidade pudesse ser afrontada pela ideia  de uma felação! Era algo tão escabroso assim? Talvez fosse mesmo.
Mas antes que a vergonha pudesse se apoderar de sua mente, ele se deu conta de que havia cometido uma grande cagada! Assim que Dani estivesse de volta à civilização, não ia demorar nada para ele contar "da coisa horrível que Bad Kissinger me disse!" para todos, incluindo moças, dessa forma tornando - o um pária e arruinando qualquer chance sua de pegar mulher, na vida. Ele não poderia permitir algo assim, e agora ele devia se confrontar com a ideia de matar seu melhor amigo para evitar a sombria revelação de um segredo outrora inconsequente! Ele decidiu que precisava eliminar Dani Boy o quanto antes.
Foi assim que Bad Kissinger se tornou mau, e para consolidar sua descida para as trevas, ele fumou crack!

Ao amanhecer, ele esfregou sua jaqueta de couro característica nas cinzas da fogueira da noite anterior, para que ela parecesse mais maligna. E abandonou suas calças, andando nu da cintura pra baixo, pois agora que era mau não precisava mais obedecer convenções sociais.
Em cima de sua montaria, partiu para a caçada definitiva, para pôr termo à vida de seu antigo aliado.

Urubus davam incessantes voltas pelo céu, observando de cima a esterilidade e a mata rala que bordeavam o caminho do estranho cavaleiro e suas intenções. Não havia qualquer sinal de seu alvo pelas vastidões secas espalhadas para todos os lados. Poderia ser que os elementos já tivessem dado cabo dele, mas Kissinger só se daria por satisfeito quando o encontrasse, qualquer que fosse seu estado. Volta e meia ele desmontava para seguir rastros esparsos de passagem humana, com as técnicas que aprendeu com os bugres.

Em lapsos de sua férrea determinação, pensamentos a respeito do incidente daquela noite lhe ocorriam. Como o peso das palavras poderia ser tão insuportável? Seria que era pertinente, de qualquer forma, que Bad Kissinger tivesse dito aquilo? Ele deveria criar limites! No entanto, achava que era  o pessoal que não sabia escutar, que nada concediam! Eram todos um bando de ignorantes sem tolerância e de mente pequena, bando de otários que nem o pessoal da 9a série. Vários anos depois, continuavam vagabundos e inúteis, a única coisa que tinham na cabeça eram as baladas as quais Kissinger frequentava. Povo ruim e mesquinho, característica do lugar. Tinha ainda aquela professora imbecil na época, ainda chamava de "tia", a despeito das  censuras, e que ele achava castradora (psicanaliticamente) quando o reprimia de apresentar pra sala suas fanfics de Harry Potter. Ela era uma cretina também, uma ignorante, que não sabia de nada e ganhou o emprego porque era tudo uma droga.
Essas memórias atormentavam Bad, e o faziam pensar que "os outros são sempre ruins. Não reconhecem a genialidade da minha expressão. Eu estou certo e faço o que quero como quero. Sou muito inteligente e melhor que eles, sei o que estou fazendo". Mas agora, de todas as pessoas, era Dani que ele tinha afastado com sua liberalidade de discurso. Talvez fosse igual, ou pior, do que ficar BV.

Ficou absorto em seus pensamentos até que ouviu um gemido e se alertou. Logo adiante viu Dani Boy cambaleando precariamente, quase cego de tantas lágrimas, ainda soluçando e chorando. Num impulso, Kissinger se atirou do cavalo para cima dele, e começou a espancá - lo furiosamente. O desejo de ver sangue jorrando e a raiva cega, vindos da ideia de que Dani Boy espalhasse sua revelação comprometedora, ainda não tinham morrido. Assim que Dani o viu sacando o revólver, ele implorou: "Pelo amor de Deus, não me mate! O que eu fiz? Por que você quer fazer isso comigo?"

Diante do choro mais miserável e desesperado que já tinha visto, um lampejo de pena acometeu Bad Kissinger, e sua resolução em puxar o gatilho começou a falhar, ainda que não quisesse demonstrar.
"Aliás, você não tinha outra prioridade, tipo... resgatar a guria lá?" - Kissinger finalmente baixou a arma, e quando Dani achava que tinha apagazido os ânimos de seu carrasco, ele levou um chute nas costelas, e em seguida Kissinger sentenciou gravemente: "Você vem comigo. Vou decidir mais tarde o que fazer contigo".

Em sua grande fazenda, o Coronel recebia a visita de um importante juiz da região, para beberem um mate e falarem de amenidades. O convidado nem imaginava que sob o mesmo casarão, a pobre Frida estava acorrentada, à mercê de seu odioso captor, que estava ponderando sobre amarrá - la aos trilhos de um trem ou alguma outra escrotice parecida. Lhe ocorreu também vendê - la aos bugres.

O pequeno exército particular de jagunços rondava a propriedade, o que trazia algum conforto ao magistrado em meio àquela região de camponeses revoltados e bugres bárbaros. Os dois ficaram tagarelando na varanda do casarão, até o assunto ser abruptamente interrompido pelo barulho de um disparo, seguido do grito surdo de dor de um jagunço atingido pelas costas e morto.
Todos os homens do Coronel se mobilizaram enquanto ele correu acovardado para dentro de casa, trancando o juiz apavorado do lado de fora.
O atirador continuou a atacar os capangas, enquanto eles disparavam desajeitadamente vários mosquetes, rifles, escopetas e pistolas. Estavam acostumados a assassinar e intimidar pessoas completamente indefesas, e não a revidar.
A mira de Bad Kissinger era impressionante; de sua posição protegida em um dos cantos do casarão, seus tiros certeiros arrancavam escalpos; os jagunços morriam que nem moscas. Mal desperdiçava balas, mas não teria muito problema se desperdiçasse, pois trouxe um monte de munição.

Em meio ao alvoroço de tiros e gritos de dor, o juiz estava rastejando pelo chão da varanda, suando frio achando que uma bala poderia acertá - lo em qualquer momento. Ele se aproximou de um dos capangas mortos e se armou com o revólver despejado ao lado do corpo. Seu coração errou várias batidas, quando se atirou afobadamente contra a parede do lado do qual Kissinger atacava, vendo mais uns dois homens do coronel morrerem alvejados. Ele se arrastou grudado à parede, com a mão que segurava a arma tremendo, chegando cada vez mais perto do atirador, os disparos da pistola cada vez mais altos no seu ouvido, e a tremedeira ficava cada vez pior; o juiz estava eletrizado.
Então ele virou e cegamente disparou contra Bad Kissinger, que foi surpreendido. Um dos tiros passou raspando de estourar a cabeça dele, e em uma fração de segundo, Kissinger meteu três balas no bucho do juiz, que berrava horrivelmente de dor, agonizando. Ele sangrou até morrer.

Depois de um pouco de mais de troca de tiros, todos os capangas do Coronel estavam mortos. Ele estava se escondendo dentro do casarão escuro e fechado, e logo que ouviu o tiroteio longo e infernal acabar, ele saiu bruscamente pela varanda, impunhando um revólver .45 de cano longo ricamente ornamentado em cada mão, desafiando o atirador misterioso aos gritos: "Venha me enfrentar, desgraçado! Ter vindo aqui foi seu último erro!" - o coronel estava furioso e desorientado, seja pelo desespero ou pela densa fumaça de pólvora. Ele nem percebeu Bad Kissinger o espreitando com passinhos de algodão, sorrateiramente como aprendeu com os bugres, e um tiro na nuca terminou o reino de terror do Coronel.

Kissinger invadiu o casarão agora vazio e libertou Frida dos grilhões da minúscula masmorra que se encontrava, e a levou nos braços para longe daquele amaldiçoado lugar, escutando os louvores dela, de "meu herói", e ao mesmo tempo mantendo sua boca o mais distante o possível da dela. Ele a carregou até onde estavam as montarias, e ela só achou um pouco estranho quando viu Dani Boy, cheio de hematomas e um olho roxo, amarrado de bruços às costas de um dos cavalos.

Eles a levaram de volta para a cidade, e Frida disse que estava eternamente agradecida a Kissinger por ter salvo sua vida, que jamais poderia retribuir tamanha bondade, mas se sentia super atraída por caras corajosos e machões como ele. Mas Kissinger estava bastante desconfortável, pois se a beijasse todo aquele discurso ia pelo ralo e ela iria repudiá - lo por completo. Depois de um longo momento sem-jeito, ele disse que não poderia ficar por ali, pois seu destino era vagar a terra, e aí lhe deu um abraço amigo e um cordial aperto de mão. Frida ficou com os olhos cheios de lágrimas enquanto observava Bad Kissinger e Dani Boy cavalgarem em direção ao pôr do sol.

Ao cair da noite, Dani ainda aguardava a decisão de Kissinger em relação a ele, com a expectativa angustiada de que lhe concedesse misericórdia, que tudo foi apenas alguma coisa da qual pudessem rir mais tarde. Mas não era o que o olhar extremamente severo de Bad sugeria.
Cavalgaram até perto de Brokeback, onde amarram as montarias perto de um casebre de luzes acesas isolado  no meio do nada, pintado de cores berrantes. Bad Kissinger o libertou das amarras e os dois entraram no estabelecimento, do qual Dani Boy não gostou nada da aparência no interior. Encostado à parede estava um travesti ocioso que Kissinger abordou, mas Dani Boy logo alertou: "Cuidado, Bad! Não se deixe enganar! Ela não é o que aparenta ser!" - mas ele nem deu atenção. Os três entraram em um dos quartos mal - cheirosos, e Bad trancou a porta. Dani estava cada vez mais apreensivo; sem saber o que estava prestes a acontecer. Sem nenhuma cerimônia, Kissinger virou o traveco de frente e arriou as calças dele.

"Meu deus, Bad! Que horror! É nojento demais!" - protestou Dani, que em seguida tossiu muito, em um esboço de que iria vomitar. Ele se virou e viu Bad ajoelhado de frente para o meio das pernas do traveco - "Bad, o que você está fazendo?! Não, não faça isso! Bad! Não! NÃÃÃÃÃÃOOOO!"

E agora Bad Kissinger não era mais BV.

Epílogo: Agora que tinha resolvido a questão do beijo, ocorreu a Bad Kissinger que ele nunca transou. Isso o deixava bastante inseguro com as mulheres, então ele decidiu tomar providências a respeito. Ele cavalgou até aquele mesmo lugar, foi traçado por um cara e pronto! Ele não era mais virgem.